O império da pipoca

oOo Andei vendo uns filmes antigos ? alguns muito bons, mesmo quando meio bobos ? e pensei uma coisa que, se não é verdadeira, …

oOo Andei vendo uns filmes antigos - alguns muito bons, mesmo quando meio bobos - e pensei uma coisa que, se não é verdadeira, tem muito boa aparência. Hoje se fazem mais porcarias porque a formação cultural dos produtores, diretores e roteiristas se limita à tevê e ao cinema. Essa gente não consegue pensar fora dos moldes criados através de décadas para agradar os caipiras do meio oeste americano.
oOo Apesar da dramaturgia em preto e branco, da estética tosca e do comercialismo radical dos estúdios impostos por uma produção que mal sabia o que estava fazendo, muitos bons filmes foram feitos antigamente e vários diretores inteligentes - vide exemplos evidentes como Hitchcock, Fritz Lang, Billy Wilder, John Huston - driblaram até um público burro.
oOo No fim dos anos 60 e uma parte dos 70, os diretores da chamada Nova Hollywood deram um chega pra lá nos produtores e tomaram conta do pedaço. Foi bom enquanto durou. Um punhado de grandes filmes foi feito - e dando uma banana pro infantilismo rastaquera do público americano. Coppola, Altman, Friedkin, Cimino, Polanski e Scorsese, pra citar apenas alguns alfabetizados, queriam ser Bergman ou Fellini. Hoje os modelos são Lucas e Spielberg.
oOo O mais estúpido, me parece, é que Hollywood, ao ver um sucesso estrangeiro, que foi sucesso justamente porque foi feito fora dos moldes dele, compra e refilma, encaixando-o de novo. Vejam a velha comédia italiana Perfume de mulher, de Dino Risi. Sim, não é um grande filme, mas onde foi parar sua energia brutal, seu humor negro e seus personagens definidíssimos? Na América se tornou mais uma patriotada sonolenta. Até séries de tevê europeias os gringos estão comprando e estragando. Vide a maravilhosa dinamarquesa Forbrydelsen transformada na insossa The killing.
Lá de vez em quando alguém consegue furar o bloqueio dos estúdios e surge, digamos ao acaso, um Fargo, um Nebraska, um Lobo de Wall Street. Na tevê, uma série como True detective. No mais é a enxurrada de sempre, comédias românticas (até quando a noiva vai desistir de casar em pleno altar?) e super-heróis em aventuras eletrizantes pra adultos com idade mental de nove anos. Pra mim ainda há um agravante: acho pipoca indigesta.
Composição das colunas
Não contêm glúten, mas contêm ironia cáustica, ambiguidades, elipses, argumentos burlescos, provocações capciosas e lógica pra fazer Aristóteles e Hegel revirarem os olhinhos.
Indicações: duas Framboesas de Ouro e um IgNobel.
Contraindicação: leitores alérgicos a qualquer um dos componentes da fórmula podem sofrer elevação de temperatura, ranger de dentes e palpitações.
Advertência e precaução. Mantenha fora do alcance de analfabetos funcionais e crentes de ouros, paus, copas e espadas.
Modo de uso. Faça o que bem entender. Inclusive imprimir pra usar como papel higiênico.
Romero Britto
Soube que tem muita gente que fala mal do pintor. Eu não. Ele é de um mau gosto tão atroz que não merece que se fale, mesmo mal.
Dicionário do mau digitador
Diferentre. O igual entre diferentes.
Incomondando. Dando ordens impertinentes.
Deu no UOL: cinema brasileiro
"Com 3,3 milhões de espectadores, seu (de Paulo Gustavo) filme Vai que cola, baseado no programa homônimo de sucesso no canal pago Multishow, é o segundo longa brasileiro mais visto de 2015, perdendo apenas para Loucas pra casar, protagonizado por Ingrid Guimarães e Tatá Werneck, duas estrelas da Globo."
Desisto. Quando esse trio da chatice extrema, aquela que não dá sono mas irritação, faz os grandes sucessos, só me resta mesmo me retirar pra uma caverna, no alto de uma montanha. Mas antes faço uma sugestão ao IBGE: não precisa fazer pesquisa, domicílio por domicílio, pra medir a indigência cultural no país, basta ver a bilheteria dos Paulos Gustavos da vida. Estou sendo injusto, invejoso, o diabo a quatro? Se você acha que homem vestido de mulher ainda é uma grande sacada humorística, deixa pra lá, não está mais aqui quem falou.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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