Os idos de Marte

Os antigos romanos não numeravam os dias em sequência, como o fazemos hoje. Eles usavam três pontos fixos em cada mês, marcados pelo calendário …

Os antigos romanos não numeravam os dias em sequência, como o fazemos hoje. Eles usavam três pontos fixos em cada mês, marcados pelo calendário lunar: os Nones, os Idos e as Calendas. Assim, quando um romano queria adiar alguma coisa, mandava para as Calendas, ou seja, deixava para o mês seguinte. No dia 15 de Março do ano 44, Julius Caesar é assassinado nas escadarias do Senado. Recebeu 23 punhaladas de 60 senadores, liderados por Marcus Julius Brutus, seu filho adotivo. Eram os Idos de Marte, o Deus da Guerra.

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Poetas e escritores (Willliam Shakespeare entre eles) não perderam o mote e criaram o culto de uma notoriedade trágica para "os idos de março".
No entanto, esta mitologia não nasceu apenas da criação intelectual. Não é preciso ir longe para constatar que a História desfila, desde eras remotas, uma intrigante série de eventos extraordinários, ocorridos justamente no mês dedicado a Marte. Muitos deles geraram tragédias, desastres e guerras mundiais.
Em "A Marcha da Insensatez", a historiadora Barbara Tuchmann lembra que o célebre episódio do Cavalo de Tróia teria ocorrido no período equivalente ao março dos romanos. E, além disso, transformou-se em arquétipo de astúcia militar e engenhosidade política.
Não por acaso, Virgílio advertia os troianos:
"- Não acreditem em presentes dos gregos."
A advertência não foi ouvida em Tróia, nem ao longo dos séculos, por reis, príncipes e governantes, que continuaram vítimas (conscientes ou não) de diversas versões do clássico ardil. E, em muitas vezes, durante os idos de março.
Em 1147, o rei de Portugal, Afonso Henriques, derrota os mouros em Santarém, improvisando táticas militares quase ingênuas, mas suficientes para surpreender os invasores, que se sentiam invencíveis, depois de 300 anos de ocupação. A batalha de Santarém aconteceu em março.
Mais tarde, em 1493 - e novamente em março - Cristóvão Colombo regressa da primeira viagem ao Novo Mundo e exibe arcas repletas de ouro e prata aos reis católicos Fernando e Isabel. O tesouro inflama a cobiça da Corte de Espanha e uma nova expedição é enviada em busca de mais riquezas. Resultado: a extinção do Império Asteca.
Em março de 1776, o novo congresso norte-americano declara a supressão da autoridade da Coroa Britânica, sinalizando o ocaso do Império. Boston se rebela, abrindo caminho para a independência.
Cento e quarenta e um anos depois, o Czar Nicolau II, da Rússia abdica,      dando fim à dinastia Romanoff e o início do regime bolchevique. A execução do Czar e sua família acontece no mês de julho. Embora marcada para março.
Na década de 30, mais uma coincidência, quando a sombra do deus da guerra volta a ameaçar a Europa. Mesmo com incontáveis advertências e evidentes sinais de alarme, a França e a Inglaterra ignoram a crescente militarização da Alemanha nazista.
Então acontece o previsível: em 15 de março de 1939, tropas de assalto alemãs ocupam o que sobrara da Boêmia e Morávia. A Checoslováquia cessa de existir e abrem-se as portas para o deus Marte - seis meses depois, em setembro, tem início a II Guerra Mundial.

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Uma frase de Barbara Tuchmann resume sua tese sobre a repetição de eventos que impactam a Humanidade ao longo dos tempos:
"- Aprender com a experiência passada é uma virtude que raramente praticamos."
E também soa inútil a advertência do vidente em "Julio César", de William Shakespeare:
"- Tendes cuidado com os Idos de Março."

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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