A mágica de Cremona

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                                                                                           "Não sou bonito nem elegante, mas quando
                                                                                toco meu violino, as mulheres caem aos meus pés."              
                                                                                                                                           (Niccolo Paganini)
Ele parecia ser apenas um garoto. Mas era um garoto prodígio. Seu professor, o maestro Roman Totenberg, previa para ele uma carreira de grande violinista. Então, John Philip Johnson roubou o violino de seu professor. Não se tratava de um violino qualquer - era um Stradivarius, um tesouro de família, que pertencera ao pai do maestro, ex-primeiro-violino da Orquestra de Varsóvia. O caso aconteceu em 1943, pouco depois que Roman Totenberg tocou seu Stradivarius em público. Foi na Casa Branca, na presença do presidente Franklin D. Roosevelt.

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Depois de furtar o Stradivarius, John Philip Johnson o escondeu no fundo de um armário. Passaram-se 31 anos e, durante este tempo, o ladrão de violinos nunca ousou tocar o precioso instrumento - e nem mesmo sua esposa sabia de sua existência. Com o decorrer do tempo, o caso do Stradivarius foi aos poucos esquecido. Roman Totenberg e seus amigos do conservatório estavam mortos. E até mesmo o FBI, que tinha o roubo como uma prioridade, já havia arquivado o caso.
Então, no outono de 2010, aconteceu algo insólito. Sentindo que seus dedos perdiam força, John Philip Johnson retirou o Stradivarius do fundo do armário. Por dias e noites, extraiu dele o incomparável som de um autêntico violino de 200 anos. Entusiasmado, começou a se apresentar em recitais e audições, em uma tentativa de exorcizar seu crime em público.
Mas as muralhas entre o passado e o presente podem ser mais inescrutáveis do que pensamos. As plateias que se extasiavam com aquela extraordinária sonoridade, nem de longe imaginavam que ouviam um dos raros remanescentes dos violinos criados pelo gênio de Antonio Stradivari.
Poucos meses depois, John Philip sente-se doente e interrompe as exibições.    Depois de sua morte, no Dia de Ação de Graças de 2011, sua ex-mulher, Thanh Tran, tenta vender os pertences do falecido, incluindo o velho violino. Um antiquário de Pittsburgh lê a notícia e recorda do caso de 70 anos atrás.    O FBI é chamado e um time de especialistas autentica o instrumento. Algum tempo depois, o Stradivarius Totenberg é entregue a Nina, a filha mais velha do maestro. Embora viva de uma modesta pensão, ela recusa uma oferta de alguns milhões de dólares pelo Stradivarius.

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Os motivos que levaram John Philip Johnson a furtar o Stradivarius de seu professor e a escondê-lo por tanto tempo, nunca foram bem esclarecidos. Alguns acreditam que ele foi enfeitiçado pela mística dos violinos feitos em Cremona. Ao saber do caso, o grande Yehudi Menuhin, que possuia dois violinos assinados por Antonio Stradivari, afirmou que comprendia que um músico esteja disposto a vender a alma por um Stradivarius. E acrescentou:
"A mágica dos violinos de Cremona não se explica em palavras."
Recentemente, o pop-star Joshua Bell pagou mais de US$ 4 milhões por um Stradivarius, que tem um histórico semelhante a do violino Totenberg. Em 1936, um jovem músico, Julian Altman, entra no camarim do primeiro violinista do Carnegie Hall, Bronis?aw Huberman, e sai pela porta da frente, carregando o estojo debaixo do braço. Nos anos seguintes, o ladrão se apresenta em várias cidades, tocando o Stradivarius roubado. Mas ninguém questionou como o jovem violinista era capaz de produzir um som tão extraordinário. Julian Altman havia coberto o violino por várias camadas de verniz vermelho. Em 1985, ele sofre um grave acidente de carro. E é encontrado agonizante, abraçado ao estojo do Stradivarius.

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No dia 6 de dezembro de 2010, uma jovem violinista sul-coreana está a caminho a uma audição no Royal College of Music, em Londres. Ela faz       uma breve parada na lanchonete Pret A Manger, da estação Euston, para sanduíche e café. Min-Jin Kym carrega um estojo, que contém um violino Stradivarius de 1696 e um arco Pecaste, no valor de 62 mil libras. O conjunto pertencia a Sony BMG e estava cedido à Min-Jin Kym pelo seu primeiro lugar no concurso que revelara os melhores músicos jovens da Grã-Bretanha.
Ela pousa o estojo no banco ao seu lado, para atender o telefone, no momento  em que sua companheira sai para ir ao banheiro. Um minuto depois, o estojo, com um dos 400 Stradivarius existentes no planeta, havia desaparecido. Min-Jin Kym entra em pânico e a polícia é acionada, mas não há rastro do estojo nem de seu precioso conteúdo. O Departamento de Arte e Antiguidades da Polícia de Londres acredita que os ladrões não sabiam o que estavam roubando e que, mais cedo ou mais tarde, o Stradivarius deve reaparecer. No entanto, até hoje, 5 anos depois do incidente de Euston, não se ouviu mais falar de Min-Jin Kym nem de seu violino. Seriam as novas vítimas da mística de Cremona?

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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