De olhos fechados

"O ingrediente mais importante do soufflê é o ar de Paris." (Auguste Escoffier) Os velhos mestres da culinária da França, ao mesmo tempo que …

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"O ingrediente mais importante

do soufflê é o ar de Paris."

(Auguste Escoffier)
Os velhos mestres da culinária da França, ao mesmo tempo que juravam que não existe uma receita para o soufflê perfeito, faziam uma blague tipicamente gaulesa:
"É preciso ter uma alma leve para se fazer um soufflé."
Já em 1903, um dos pais da gastronomia, Auguste Escoffier, havia dedicado oito páginas em seu "Le Guide Culinaire" à difícil e elusiva arte do soufflé. Cerca de 90 anos mais tarde, Julia Child permanecia por horas, debruçada sobre o Larousse Gastronomique,     na busca do soufflé perfeito. Sem nunca encontrar a resposta.

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A rue Récamier é menos do que uma rua, mais uma ruela de pedestres, quase despercebida por quem passa apressado pela rue de Sèvres. E é justamente ali, no número 4, onde está o La Cigale Récamier, que serve um dos melhores soufflés de Paris, preparados pelo chef Gérard Idoux, que, por isso mesmo, deve possuir uma alma leve.
O lugar é pequeno, quase um bistrot, com mesas no terraço e outras tantas no acanhado interior. Este La Cigale (existem outros em Paris, com nomes semelhantes) está sempre lotado, o que sugere reservas com dois ou três dias de antecipação. Embora instalado próximo ao movimentado Boulevard Raspail, não é procurado por turistas. Em suas mesas, poucos estrangeiros, a maioria são moradores do quartier, casais de cabelos brancos, que devem ser comensais frequentes. Segundo o colunista de gastronomia do Le Parisien, ainda resistem na cidade algumas raridades como o La Cigale Récamier, casas que resistem à pasteurização da comida e aos modismos da comida e aos modismos da confort food.

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Quem não tem reservas, deve chegar bem antes da hora do movimento. O garção vai se declarar desolé, mas as mesas no terraço estão todas reservadas. Mas, se tiver sorte, vai encontrar uma mesa em uma saleta do interior. Então, logo chega a hora de estudar o cardápio e escolher o jantar. Talvez a sugestão do chef, o Soufflé de petits pois façon jardinière ou um dos mais pedidos, o Soufflé aux asperges et son beurre d"argumes.
 Isto feito, enquanto espera-se a comida chegar, pode-se apreciar o ballet dos garç?es em seus longos tabliers negros, se esgueirando entre as mesas, com bandejas carregadas de terrinas.

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As terrinas saem diretamente do forno e chegam à mesa sobre sousplats de porcelana branca, estampadas com o camafeu de Juliette Récamier, uma dama célebre no final do século XIX. Ela promovia saraus em sua mansão, da rue de Sèvres, quando servia um Soufflé de Trois Fromages que, dizem, era saboreado de olhos fechados por poetas e artistas. Infelizmente, a receita do soufflé não existe mais, pois a dama mandou queimá-la, antes de morrer. Mesmo assim, sua memória permanece nos soufflés servidos todos os dias, no restaurante que guarda seu nome.
Não se sabe se Juliette Récamier também servia soufflés sucrés aos seus convidados, mas o Soufflé Gran Marnier do La Cigale certamente merece ser saboreado de olhos fechados.

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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