Nem mesmo a força do tempo irá destruir

Nesta vida endoidecida de todos nós, recheada de encrencas e empecilhos, que nem sempre é aquele desenho cor de rosa imaginado um dia na …

Nesta vida endoidecida de todos nós, recheada de encrencas e empecilhos, que nem sempre é aquele desenho cor de rosa imaginado um dia na infância ou na adolescência, poucas coisas possuem valores inestimáveis. Poucas coisas sobrevivem ao tempo, à distância física, aos afastamentos, às fofocas, às partidas e chegadas. Pode uma tempestade destruir todas as lembranças. Pode um emprego em outra cidade dificultar o convívio. Pode a ausência de comunicação por motivos diversos e intrínsecos complicar os encontros. Pode até uma divergência política bloquear os diálogos mais frequentes. Mas só mesmo a verdadeira amizade resiste a tudo, supera tudo, atravessa qualquer obstáculo e não tem preço.
Tenho amigas e amigos distribuídos em alguns cantos deste Brasil. Tenho uma amazonense cuja amizade começou de forma virtual e hoje a saudade é real demais porque ela se mudou para a Alemanha. Tenho uma amiga de fé, camarada, de todas as horas, quase uma irmã, que sempre convida para um café no shopping a fim de não se perder o contato. Tenho um amigo/irmão que vive em São Leopoldo e volta meia arruma um compromisso em Porto Alegre para a gente se encontrar. Tenho um super amigo de redação, de militância, de jornalismo que sei está sempre torcendo por mim. São tantos amigos e amigas que posso, com certeza, magoar algum ou alguma aqui nesta coluna pelo esquecimento.
Porque ao longo destes mais de 50 anos, colecionei amigos e amigas espalhadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, que se deslocaram para outros lugares em busca de emprego. Na diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul, onde atuo há algum tempo, encontrei amigos e amigas que são capazes de solidificar e enaltecer qualquer relacionamento. Amigas e amigos colhidos e tratados com carinho nos empregos por onde passei, seja nas redações de jornais, em assessorias de imprensa empresariais ou governamentais.  Amigas e amigos de ativismo, de militância, de luta política. Amigas e amigos de poesia, de prosa, de romance, de vida.
E posso afirmar que a verdadeira amizade persiste, sobrevive, conserva-se e perdura. E posso assegurar que a verdadeira amizade perdoa, desculpa, absolve, releva e isenta. E posso ressaltar que a verdadeira amizade preserva as memórias, as lembranças, o passado, os retratos e os álbuns de fotografias. E posso garantir que a verdadeira amizade é capaz de confortar, acarinhar, agasalhar e fortalecer. Como já disse sabiamente o poeta Mario Quintana, a amizade é um amor que nunca morre.
No sábado, depois de quase 20 anos, foi a vez de rever uma amiga querida que se transferiu primeiro para a cidade de São Paulo e depois para Fortaleza.   É daquela categoria de amiga que só de ouvir a minha voz ao telefone sabia exatamente como havia sido o meu dia na redação do Jornal do Comércio ou na Zero Hora. É daquela categoria de amiga que me recebia sempre de braços abertos no meio da semana em seu apartamento para tentar atenuar as dores de amores partidos. É daquela categoria de amiga que ouvia os lamentos de uma pauta complicada, de uma matéria mal editada, de um furo jornalístico. É daquela categoria de amiga que conhecia o modo como eu jogava os cabelos para o lado e remexia em itens na minha bolsa.
E o tempo foi pouco para falar de tanta ausência, para costurar e alinhavar os afetos destes 20 anos, para atenuar a saudade, contar das dores, dos amores, das desilusões. E eu queria mais. E eu precisava de mais. E eu necessitava de mais. Porque eu ainda tenho tanto para relatar. Porque eu ainda tenho tanto para descrever. Porque é preciso correr atrás do tempo decorrido, apagar as marcas da distância, reduzir os caminhos e renovar mais e mais a amizade.
Para esta amiga, segue hoje parte de uma música simples e harmoniosa do grupo Fundo de Quintal. "A amizade, nem mesmo a força do tempo irá destruir, somos verdade, nem mesmo este samba de amor pode nos resumir. Quero chorar o seu choro. Quero sorrir seu sorriso. Valeu por você existir, amiga".

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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