Saqueando o tesouro da juventude 3

Entra Homem da Metralhadora e dá um monte de tiros no Ivan. Ivan cai morto. Homem sai. Júlia se adianta pra boca do palco. …

Entra Homem da Metralhadora e dá um monte de tiros no Ivan. Ivan cai morto. Homem sai. Júlia se adianta pra boca do palco.
JÚLIA - A ciência é uma coisa maravilhosa. A ciência te explica tim-tim por tim-tim como o mundo funciona. Por exemplo: a maçã se desprende do galho e cai porque é mais pesada que o ar e porque a gravidade está em ação.
O disco voador baixa atrás de Júlia.
Bom, já que estamos no pomar, por que há maçãs? Simples: porque há macieiras. Agora, por que há macieiras? Mais simples ainda: porque há maçãs. As maçãs têm sementes que plantadas acabam sendo macieiras. Tá me acompanhando?
Marciano sai do disco e fica atrás de Júlia, bem pertinho, sem que ela se dê conta.
Como se não bastasse, a ciência foi mais longe: descobriu xampu pra cabelo seco, pra cabelo oleoso e pra cabelo normal. Que querem mais?
Marciano, depois de um suspense, faz como se estivesse faturando Júlia por trás.
Bomba de nêutron? Tem. É a arma mais bem educada. Mata o cara e deixa seus bens intactos. Uma arma que respeita a propriedade privada é a perfeição.
Marciano tem um tremelique e depois vai pro disco.
Melhor do que isso só mesmo quando os cientistas descobrirem a cura do resfriado e da calvície.
Disco decola. Júlia olha Ivan morto. Hesita. Cutuca ele com o pé.
IVAN - Mais respeito com os mortos.
JÚLIA - Credo, parece a Bíblia: sexo, violência e morto ressuscitando. Se agora mesmo passar um camelo voando, eu não fico nem um pouco surpresa.
Ouve-se um barulho. Ivan senta.
IVAN - Olhaí, teu camelo voador.
Mas em vez de camelo, passa apenas um passarinho.

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Ivan vai pra boca do palco.
IVAN - Você sabia? A Torre de Babel, a famosa torre que os babilônios construíram pensando em alcançar o céu, tinha apenas seis andares e na sua cobertura morava o deus Marduk. Hoje é sinônimo de confusão, porque Deus usou ela como pretexto pra inventar as línguas que se falam mundo afora, inclusive a língua do pê, segundo alguns estudiosos. Antes da Torre de Babel as pessoas não se entendiam apenas numa língua.
Júlia também vai pra boca do palco, ao lado de Ivan.
JÚLIA - Você sabia? A Torre de Pisa é o maior monumento dedicado à incompetência da humanidade. Além disso, é o mais famoso símbolo fálico, devido à ereção inclinada e devido ao nome, porque se diz Pisa, o esse com som de zê, em homenagem à dona Solange, a tristemente célebre dama da censura brasileira.
IVAN E JÚLIA (jogral bem escolar) - Você sabia? A dona Solange anda pelada sob as roupas.

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REPÓRTER - Estamos com o prisioneiro vocês sabem qual o número, que está, a cada minuto marcado pelos relógios Tic-tac, mais e mais próximo da morte. Senhor condenado, o senhor acredita na vida depois da morte?
CONDENADO - Não. Pra mim, morreu, kaputt.
REPÓRTER - Você diz isso assim, com toda a calma?
CONDENADO - Sim. É que eu tomo Calmaflex. É um calmante tão poderoso que até noivos e vestibulandos usam. Não esqueça: Calmaflex. Tomou, acalmou.
REPÓRTER - Vou provar agora mesmo. Bom, o que você acha do beijo?
CONDENADO - A mais bela e profunda expressão de duas almas que se amam.
REPÓRTER - Qual o melhor programa pra uma tarde de chuva?
CONDENADO - Se possível, não ser executado.
REPÓRTER - Boa, boa. Mas falando sério, hein?
CONDENADO - Comer merengue e assistir filme de romano.
REPÓRTER - Essas foram as palavras do condenado número vocês sabem qual. Logo após nossos comerciais, voltaremos com o romântico dos românticos, Júlio Roberto "El Quindim" Otero, o ídolo que arrebata multidões, cantando seu último sucesso, o rock-bolero com o maior índice de ternura registrado no corrente ano: Senta na minha que eu entro na tua, baby!

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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