14 livros

Arnold Samuelson tinha 22 anos e sonhava em ser escritor. Na primavera de 1934, ele viajou de carona desde Minnesota até a Florida para …

Arnold Samuelson tinha 22 anos e sonhava em ser escritor. Na primavera de 1934, ele viajou de carona desde Minnesota até a Florida para tentar conhecer Ernest Hemingway. Ele acabara de ler "Uma Viagem Além", publicado na Cosmopolitan e ficou de tal maneira impressionado com o conto, que enfrentou 3 mil quilômetros de estrada para encontrar o autor e perguntar-lhe o que é preciso para se tornar um escritor. Mais tarde, ele recordaria aquele gesto juvenil:
"Era uma aventura e uma grande tolice, mas desempregado, com 22 anos em plena Depressão, não tinha muito a perder".
Então, quando todos procuravam fugir para o Norte, Samuelson seguiu na direção contrária. Na Florida, ele embarcou como clandestino em um trem de carga até Key West. No caminho, lembra que não conseguia ver os trilhos, apenas a água sob as longas pontes, à medida em que o trem saía do continente e entrava nos Keys.
"Foi o melhor sonho que tive.
Um dia, vou escrever sobre aquela viagem sobre as águas".
Samuelson chegou a Key West e cedo descobriu que os tempos difíceis eram piores do que em Minnesota - as fábricas de charutos haviam fechado e os pescadores mal conseguiam pescar seu almoço. Na primeira noite, ele dormiu no cais, usando a mochila como travesseiro. Foi acordado por um policial que o convidou a terminar a noite na cadeia da cidade. Solto pela manhã, saiu à procura do mais famoso morador dos Keys. Não foi bem recebido:
"O que você quer?", quis saber Papa Hemingway.
Depois de um minuto de embaraço, Samuelson contou que lera "Uma Viagem Além " e atravessara o país para saber a fórmula de se tornar um escritor.
Hemingway pareceu simpatizar com o importuno visitante e disse que voltasse no dia seguinte, para "to chew the fat" ("bater um papo").
Depois de mais uma noite na cadeia infestada de mosquitos, Samuelson voltou e encontrou Ernest Hemingway sentado na varanda, de bermudas khaki e chinelos de pelúcia. Tinha um copo de whisky em uma mão e o The New York Times na outra. Os dois começaram a conversar, mas o autor de "Por quem os Sinos Dobram" estava reticente, mantendo o visitante à uma distância segura. Falou sobre sua vida nos Keys e das pescarias de marlins azuis. Depois de renovar o copo, tocou no braço de Samuelson e soltou um primeiro conselho:
"Nunca escreva tudo de uma vez, não esgote a fonte.
Guarde alguma coisa para o dia seguinte".
E continuou dizendo, que cada escritor precisa procurar um estilo próprio de escrever. Se o conseguir, será um afortunado. Mas, se tentar escrever como um outro escritor, os sonhos terminarão cedo. E recomendou ainda:
"Não pense como escritor enquanto não estiver escrevendo ou sua imaginação se esgotará antes do tempo. E o mais importante de tudo, é preciso viver todas as experiências possíveis e ler, ler muito, ler até cair em coma".

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Depois de um par de horas, Hemingway pareceu cansado e disse que precisava voltar ao trabalho. Pediu que o visitante voltasse no outro dia. Quando Samuelson retornou à casa, havia uma caixa de papelão com seu nome em cima da mesa. Eram 14 livros que Hemingway considerava fundamentais para ajudar a formar seu estilo. E, na porta, antes de despachar Samuelson, já abraçado à caixa de livros, disparou um último conselho, uma frase que mais tarde usaria em "The Sun Also Rise":
"Não existe nada de especial no ato de escrever.
Tudo o que você precisa fazer é sentar diante
de uma folha em branco e sangrar".
Durante anos, Arnold Samuelson seguiria fielmente o conselho, lendo e relendo os livros da caixa. Mas, além do encantamento proporcionado pela leitura, ele nunca se tornaria um escritor de verdade. Em sua autobiografia, ele publicou a lista dos livros que ganhou em Key West:
"The Open Boat" de Stephen Crane;
"Madame Bovary" de Gustave Flaubert;
"Dublinenses" de James Joyce;
"O Vermelho e o Negro" de Stendhal;
"A Servidão Humana" de Somerset Maugham;
"Anna Karenina" de Leo Tolstoy;
"Guerra e Paz" de Leo Tolstoy;
"Os Buddenbrooks" de Thomas Mann;
"Granizo e despedida " de George Moore;
"Os Irmãos Karamazov" de Fyodor Dostoyevsky;
"A Enorme Sala" de E.E. Cummings;
"O Morro dos Ventos Uivantes" de Emily Brönte;
"Distante e no passado" de W.H. Hudson;
"O Americano" de Henry James.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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