A feira tá pouca, o bicho tá solto

Sabem aqueles dias em que a gente jura de pé junto que não deveria ter acordado? Sabem aqueles dias que foram precedidos por uma …

Sabem aqueles dias em que a gente jura de pé junto que não deveria ter acordado? Sabem aqueles dias que foram precedidos por uma noite insone repleta de pesadelos? Sabem aqueles dias em que a gente já pula da cama batendo com os pés em todos os móveis ao redor? Sabem aqueles dias, pela manhã, em que o café esfria e fica com formiga no fundo? Sabem aqueles dias em que o elevador do prédio resolve dar uma de doido e faz um pit stop em todos os andares e você olha angustiado para o relógio de pulso indicando o seu atraso para a reunião das 9h? Pois, dias assim tenebrosos existem. O melhor exemplo destes dias que nunca deveriam ter acontecido foi a última terça-feira.
Nosso Senhor do Bom fim. Alan Kardec. Santos dos Aflitos. Senhora Padroeira das Atrasadas. Buda. Namastê. E todos e todas representantes dos mais diversos e variados tipos de crenças e religiões. O que foi esta terça-feira, minha santíssima trindade? Tudo, mas absolutamente tudo, deu errado desde o singelo instante em que acordei. A roupa estava amassada, o chuveiro não esquentava, o leite ferveu e sujou o fogão, o suco acabou, o cachorro latiu e acuou feito um cusco sem dono, o vizinho mais antipático e azedo pegou o mesmo elevador e eu, inexplicavelmente (sou muito pontual), cheguei com 20 minutos de atraso no compromisso do início da manhã.
Mas Deus é pai, não é padrasto. E eu acreditei que o rumo do dia iria mudar e que somente coisas lindas, maravilhosas e positivas deveriam acontecer nas horas restantes. Ledo engano. A terça-feira parecia mesmo fadada a estragar qualquer possibilidade de bom humor que eu pudesse ter. A consulta médica, um pouco mais tarde, apontou algumas complicações (espero não seja nada tão grave), o ônibus que peguei ao sair do consultório furou o pneu e ao voltar para o apartamento mais uns metros de parquet do chão da sala haviam se descolado. Segue o dia Márcia que o sangue de Jesus tem poder.
Que nada! A tarde complementou o desastre. Uma enxaqueca destruiu meus dois neurônios. Outra reunião de trabalho fracassada. A encomenda marcada para chegar não veio. A fatura do cartão de crédito trouxe uma compra cobrada duplamente (e agora para explicar para a administradora que focinho de porco não é tomada, ganharei novos fios brancos de cabelo). A filha, por conta de uma gripe não curada, ardia em febre. E os inconvenientes, empecilhos e encrencas foram se somando.
O bom de um dia definitivamente desastrado, segundo a lenda, a mitologia, a sabedoria ou a crença popular, é que ele só ocorre uma vez ao ano. Então, xô baixo astral. Em 2016, tu não vai me habitar mais. E quando tudo apontava um cenário mais calmo, nada melhor que uma música para turbinar a vida. Som na caixa e a música Recado, do Rodrigo Maranhão, na voz da diva Maria Rita, diz: "a feira tá pouca, o bicho tá solto, tem muito estrangeiro, muito bafafá, o dia tá feio, a lua não veio, o dinheiro não dá, mas tem muito bamba fazendo refrão, tem muito samba na concentração, muita riqueza que você não tem mais não".

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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