Saqueando o tesouro da juventude 4

Entra Júlia de roupa colante e faz uma interpretação erótica de Pra não dizer que não falei de flores. Pela metade, entra Homem da …

Entra Júlia de roupa colante e faz uma interpretação erótica de Pra não dizer que não falei de flores. Pela metade, entra Homem da Metralhadora e estupra Júlia. Depois sai calmamente, abotoando a braguilha. Júlia fica estendida no chão um tempo, aí senta e bota as mãos como megafone nos lados da boca e grita.
JÚLIA - Comunicado de utilidade pública: como disse Ivan Lessa, "Você não está confuso? Então foi mal informado!".
Passa Ninfa correndo, agora nua, atrás do Sátiro. Homem da Metralhadora entra. Júlia finge de morta. Homem procura, procura, acaricia a metralhadora, depois se vai. Júlia levanta e vai até a boca do palco.
JÚLIA - Vamos apresentar agora uma cena do Antigo Testamento, pra satisfação ( imita voz de padre) dos caros irmãos aqui presentes. Com vocês, a banda de metal Cancro Mole e o coral As Desfrutáveis!
Júlia sai. Entra Ivan com três freiras com hábitos curtíssimos, pouco abaixo do púbis. Ouve-se um rock barulhento e desconexo. Ivan fala meio declamando e como se disparasse as palavras no público.
IVAN - Cantaremos, de Arzelino e Cancro Mole, Eclesiastes no fubá. Ontiutri! ( Música) As coisas são difíceis.
FREIRAS ( rebolando sempre) - Iéééé!
IVAN - O homem não explica com palavras.
FREIRAS - Iéééé!
IVAN - O olho não se cansa de ver. O ouvido não se cansa de ouvir.
FREIRAS - Iéééé!
IVAN - Não há nada de novo sob o sol.
FREIRAS - Nada, nada, nada, nada!
IVAN - O que é que foi?
FREIRAS - O que é que foi?
IVAN - O mesmo que há de ser.
FREIRAS - Mesmo, mesmo, mesmo, mesmo.
IVAN - O que é que se fez?
FREIRAS - O que é que se fez?
IVAN - O mesmo que se há de fazer.
FREIRAS - Mesmo, mesmo, mesmo, mesmo.
IVAN ( com raiva) - Não há nada de novo sob o sol.
FREIRAS - Nada, nada, nada, nada.
IVAN ( falando normalmente)- Eu, o Eclesiastes, fui rei de Israel em Jerusalém. Eu propus investigar em meu coração toda essa encrenca que se faz sob o sol. Olhe, pessoal, acho que tudo é vaidade e aflição de espírito.
FREIRAS - Tudo, tudo, tudo, tudo.
IVAN ( declamando de novo) - Os perversos dificilmente se corrigem.
FREIRAS - Iéééé!
IVAN - O número dos insensatos é infinito.
FREIRAS - Iéééé!
IVAN - Não há nada de novo sob o sol.
FREIRAS - Nada, nada, nada, nada.
IVAN - Que proveito o homem tira dessa trabalheira sob o sol?
FREIRAS - Tudo vaidade, tudo aflição, tudo, tudo.
IVAN - Tudo tem seu tempo.
FREIRAS - Tudo, tudo, tudo, tudo.
IVAN - Há um tempo pra se nascer e um tempo pra se morrer.
FREIRAS - Nasceeeeeerrrr! Morreeeeerrrr!
IVAN - Há um tempo pra chiclete e um tempo pra banana.
FREIRAS - Chicleeeeeete! Banaaaaana!
IVAN - Há um tempo de amor e um tempo de ódio.
FREIRAS - Amoooooorrrr! Óóóóóódiiiioooo!
IVAN - Não há nada de novo sob o sol.
FREIRAS - Nada, nada, nada, nada.
IVAN - O estupro é inevitável?
FREIRAS - Relaxaaaaarrr? Gozaaaarrr?
IVAN - O estupro é inevitável?
FREIRAS - Ahhhhhhhhhhh!
Entra Homem da Metralhadora, prende todo mundo. Saem com as mãos pra cima. Antes de sumir, Homem olha pra plateia.
HOMEM - Pouca vergonha, seu!

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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