A maleta perdida

"Nem todos que estão perdidos em uma tempestade desejam ser salvos.” (Paula McLain, "The Paris Wife") Elizabeth Hadley Richardson era uma mulher tranquila, que …

"Nem todos que estão perdidos em
uma tempestade desejam ser salvos."
(Paula McLain, "The Paris Wife")
Elizabeth Hadley Richardson era uma mulher tranquila, que morava em Chicago. Ela tinha 28 anos quando conheceu Ernest Miller Hemingway, de Oak Park, Illinois. Eles casaram em 1921 e se mudaram para Paris, então a meca e o sonho dos jovens que aspiravam escrever um grande livro. O casal viveu intensamente a glamorosa Paris dos anos 20 e Hemingway escreveu não apenas um, mas vários grandes livros. No entanto, a vertiginosa vida parisiense cobrou um alto preço, mudou dramaticamente o comportamento do escritor e arrasou seu casamento com Hadley.

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A Paris dos anos 20 e 30 foi retratada em A Moveable Feast, um dos grandes romances de Hemingway, publicado em 1964. Mas foi um livro mais recente, The Paris Wife, da escritora Paula McLain, que desvendou o lado menos romântico do casamento de Hemingway e Hardley. Esta lembra, na primeira pessoa, como as esperanças de manter uma vida familiar tradicional se esvairam na boêmia e agitada vie parisienne. Ao mesmo tempo, Hemingway passa a ser um protagonista cada vez mais destacado no grupo de intelectuais norte-americanos expatriados.
No entanto, foi um dramático episódio em dezembro de 1922, que selou o final do casamento. Ernest Hemingway estava em Lausanne, como enviado do Toronto Daily Star, para cobrir uma conferência de paz, e encontra o editor Lincoln Steffens, que pede para ler alguns originais.
Hemingway telegrafa à Elizabeth Hadley em Paris, pedindo que mande
manuscritos que estavam no apartamento da rue du Cardinal Lemoine. Ela coloca tudo o que encontra em uma maleta e corre até a Gare de Lyon para ir ao encontro do marido, planejando surpreendê-lo. Deixa a maleta em uma cabine do trem e sai por alguns minutos para comprar uma água Evian. Quando volta à cabine, a maleta desaparecera.
Naquele dezembro de 1922, Hemingway não havia publicado nada e a maleta continha seu trabalho de quatro anos. Hemingway volta a Paris para avaliar o prejuízo e verifica que Elizabeth Hadley arrebanhara todos os rascunhos e até as cópias em carbono. Apenas dois contos se salvaram: Up in Michigan, que Gertrude Stein definira como impublicável, e My Old Man, esquecido no fundo de uma gaveta.
Em uma carta a Ezra Pound, Hemingway lamenta:
"Imagino que já sabes que perdi minha Juvenalia?
Hadley fez um trabalho completo e pouco sobrou, além de um
poema escrito a lápis e alguns textos para os jornais.
Eu estava chegando ao ponto de alcançar uma linguagem limpa,
nua até o osso. Não lamento a perda de textos desestruturados, peças rebeldes de esperanças e sonhos.
Quem iria publicar nossas poesias de amor adolescente?"

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Passado o choque inicial, Hemingway escreve compulsivamente, tentando repor os textos perdidos e refinando seu estilo seco e vigoroso, que o tornaria famoso. Em um artigo para o Kansas City Star, ele recomenda a um jornalista que quer ser escritor:
"Use apenas frases curtas. Abuse de parágrafos enxutos.
Use todo o vigor da língua inglesa."
É neste período que ele produz seus primeiros grandes romances -The Sun Also Rises, publicado em 1926, e A Farewell to Arms, em 1929. Também se divorcia de Elizabeth Hadley, a quem culpava pela perda de seus preciosos manuscritos. E inicia um intenso romance com uma glamorosa jornalista, Pauline Pfeiffer. No entanto, os biógrafos contam algo diferente, resgatando os cinco anos de casamento de Hadley e Ernest como um dos grandes casos de amor da história da literatura.
A própria Hadley confessaria mais tarde que foi quando ela sentiu que despertava sua verdadeira personalidade e auto-estima. Os anos de alegrias e tristezas na Europa foram de grandes transformações para ambos. Eles conviveram com algumas das mais notáveis figuras da época e compartilharam aventuras na França, Alemanha, Suiça, Itália e Espanha. Na dedicatória a Hadley em A Moveable Feast, o contraditório Hemingway confessaria:

"Eu gostaria de ter morrido antes

de amar mais alguém, além de você."

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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