A freira de esporas

“Isto aqui é o Oeste. Quando a lenda se torna realidade, imprime-se a lenda.”  (Maxwell Scott, em "O Homem que matou o facínora", 1962) …

Coluna JA 11-08

"Isto aqui é o Oeste.

Quando a lenda se torna realidade, imprime-se a lenda."

 (Maxwell Scott, em

"O Homem que matou o facínora", 1962)
 Num dos grandes títulos do cinema, o filme de John Ford avança além dos limites do clássico far-western, para se transformar em um painel da história norte-americana. Ali se confrontam fatos e mitos, primitividade e civilização, indivíduo e sociedade. Quando reconstitui o duelo entre Tom Doniphon (John Wayne) e Liberty Valance (Lee Marvin), "O Homem que matou o facínora", replica    o drama shakespeareano, que usa um narrador on stage que nos reconta o passado. Ao final, a questão - foi real ou lenda?
John Ford era um aplicado estudioso da conquista do Oeste e de seus personagens. Em extensa filmografia, o genial diretor irlandês se debruçou sobre as lendas e mitos que emolduram a figura do cow-boy. E, neste processo, criou heróis e vilões que se elegeram em tipos inesquecíveis na história do cinema.
Por razões que não cabe invocar, John Ford e seus roteiristas não examinaram alguns personagens extraordinários no lendário do faroeste. E que, provavelmente, renderiam filmes memoráveis, talvez do calibre de No Tempo das Diligências ou de O Homem   que matou o facínora.

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Um exemplo digno do universo fordiano seria o caso da italiana Rosa Maria Segale, a irmã Blandina Segale, aualmente na lista de candidatos à canonização na Igreja Católica. Uma figura  de puro fascínio, como os biógrafos descrevem esta dedicada religiosa,   que cuidava de crianças carentes e alfabetizava índios no Oeste selvagem. Um documentário de 1966, produzido pela CBS e reeditado pela RAI, mostra episódios da vida da irmã Blandina, a partir de entrevistas com descendentes dos pioneiros.
Alguns depoimentos, recolhidos no Colorado e no Novo México, citam até um incrível confronto olho-no-olho com um pistoleiro, conhecido como Billy the Kid.

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Lenda ou ficção, é sabido que os investigadores da Santa Sé encontram dificuldades ao tentar separar as ações de caridade da religiosa das copiosas lendas que circulam sobre sua bravura   no confronto com fazendeiros e pistoleiros. Mas, para os habitantes do Colorado e de Cicagna, uma vila perto de Gênova, Blandina Segale foi uma verdadeira freira de esporas.
Ela tinha 22 anos e ensinava em uma escola de Ohio, quando foi convocada para ser missionária em Trinidad, um lugar tão remoto que nem constava nos mapas. Ela embarcou rumo ao Oeste, após  tomar lições de espanhol, pois sua superiora imaginava Trinidad no México, Venezuela, ou Cuba.
Quando desceu do trem, a jovem freira descobriu que Trinidad não era uma ilha tropical, mas um vilarejo no interior do Colorado, passagem de foras-da-lei e ladrões de gado.
No dia seguinte, um tiroteiro irrompe na rua principal, com um morto e um gravemente ferido. O atirador é preso e a população exige linchamento. Sem pensar duas vezes, a irmã Blandina vai atender o homem baleado e o convence a perdoar o pistoleiro.      A seguir, em mais um lance de coragem, ela convoca o xerife para escoltar o prisoneiro em uma caminhada pela rua principal, até a cama do ferido, onde o pistoleiro recebe seu perdão. Então, a freira e o xerife confrontam a multidão, informando que o ferido havia perdoado o pistoleiro, para ser julgado pelo tribunal. A lenda diz que    o discurso da irmã Blandina comoveu a multidão, que desiste do linchamento e apaga as tochas, prontas para atear fogo na delegacia. No entanto, a coragem da freira de esporas ainda seria posta à prova mais uma vez.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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