A freira e o pistoleiro

"A vida é um mistério. Em um momento, diabólica, no próximo, celestial." (Irmã Blandina) *** O diretor John Ford, cineasta apaixonado pelas pradarias do …

Coluna JA 18-08

"A vida é um mistério. Em um momento,

diabólica, no próximo, celestial."

(Irmã Blandina)

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O diretor John Ford, cineasta apaixonado pelas pradarias do Wild West, nunca teve a oportunidade de filmar a vida de uma certa freira italiana, que protagonizou pitorescas aventuras no Colorado e Novo México, em fins do século XIX. Seria um épico da estatura de O Homem que matou o Facínora ou, até mesmo do clássico No Tempo das Diligências. Agora, em uma curiosa guinada do destino, produtores independentes do Novo México se dizem dispostos a preencher a lacuna e contar a estória da Irmã Blandina Segale.
E anunciam o início das filmagens de "No fim da trilha de Santa Fé", que pretende resgatar a trajetória da religiosa que se tornou uma lenda nas crônicas do faroeste. Ela era uma missionária dedicada a cuidar de crianças e índios doentes - enquanto encarava pistoleiros violentos e gananciosos donos de terras.
Os produtores reaproveitam cenas de um documentário da CBS, "A freira mais rápida do Oeste" e os depoimentos de época, colhidos em cartas da religiosa, publicadas em livro de 1932.
O recente interesse da TV e do cinema pelo assunto foi despertado quando líderes das comunidades católicas do Colorado e do Novo México encaminharam documentação ao Vaticano, propondo a beatificação da Irmã Blandina Segale. A petição foi assinada pelo arcebispo de Albuquerque e pelo diretor do Colégio e Hospital St. Joseph"s, fundado pela religiosa e que há 50 anos atende crianças carentes. Mas, evidentemente, os produtores não foram atraídos pelos atos humanitários da irmã, mas sim pelos aventurescos episódios de sua passagem pelo Oeste.

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Desde sua chegada à cidade de Trinidad, no sudoeste americano, a freira Blandina se viu envolvida nos atos de violência dos fora-da-lei que atemorizavam a região. E até mesmo protagonizou um olho-no-olho com um dos mais notórios pistoleiros da época, William H. Bonney, mais conhecido como Billy the Kid, que acabara de fugir da prisão no Arizona e que estava a caminho do Novo México. Foi num sábado que os assustados alunos da irmã avisaram que o pistoleiro e sua quadrilha estavam chegando à Trinidad, com a intenção de matar os médicos que haviam se recusado a tratar de um membro da gang, ferido em um tiroteio na cidade. No entanto, a Irmã Blandina Segale decidiu que aquilo não deveria acontecer.  E, às 2 horas da tarde daquele sábado, a freira estava à espera do famoso pistoleiro. Que chega, pontualmente, cavalgando pela rua principal, até se defrontar com a freira. Ele tira o chapéu e a saúda gentilmente:
"Estou feliz em conhecê-la, Irmã e me daria muito prazer ser capaz de fazer algo a seu favor".
Ele se referia à intercessão e aos cuidados que ela prestara ao seu comparsa pistoleiro, ferido dias antes. A Irmã Blandina disse que sim, queria um favor.  Ao que o pistoleiro retrucou:
"O favor está concedido."
Ela se aproximou, tomou a mão do Billy the Kid e disse que sabia que ele pretendia matar os médicos da cidade. E pediu que não o fizesse, pois precisava deles para tratar das crianças pobres e índios doentes. O pistoleiro ficou surpreso pelo fato da freira conhecer seu plano de vingança, mas, mesmo relutantemente, cumpriu a palavra e os quatro médicos de Trinidad foram poupados.

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Algum tempo mais tarde, ocorreu um novo encontro, igualmente digno da melhor filmografia fordiana. A Irmã Blandina é transferida para Santa Fe, onde funda uma escola e um hospital infantil. Durante uma das viagens entre Trinidad e Santa Fe, ela é avisada que o bando de Billy the Kid rondava a região, assaltando diligências e seus passageiros. Seus companheiros de viagem se assustam, quando avistam cavaleiros se aproximando. Quando os cocheiros empunham as Winchesters, a freira, com firmeza, ordena que as guardassem imediatamente.

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Um cavaleiro solitário se aproxima, emparelhando ao lado da diligência, enquanto examina os passageiros. A Irmã Blandina então afasta o capuz e encara o homem. Ele a reconhece, retira o chapéu, saúda e cavalga para longe. Os homens na diligência suspiram de alívio, comentando que era apenas um cow-boy vagando pela pradaria. Mas a freira os corrige:
"Aquele era o Billy the Kid."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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