Que comunicador é este?

Tempos difíceis estes em que vivemos. Retratos sombrios são colados aleatoriamente nos nossos álbuns de recordações. Manchetes assustadoras estampam as capas dos jornais. Colecionamos …

Tempos difíceis estes em que vivemos. Retratos sombrios são colados aleatoriamente nos nossos álbuns de recordações. Manchetes assustadoras estampam as capas dos jornais. Colecionamos medos de todos os tipos. Temores assolam os nossos sonhos. Cenas estúpidas invadem os nossos sonhos. Não se pode mais recitar sonetos nas praças. Não se pode mais passear nos parques. Não se pode mais sair de casa pela manhã para estudar, trabalhar ou simplesmente caminhar com a certeza que se voltará com um mínimo de integridade. Não se pode mais sair à noite para confraternizar com os amigos com a certeza que ninguém interromperá o nosso lazer.
A insegurança permeia os lares, os locais de lazer, os entornos dos ambientes de trabalho, as ruas próximas às escolas e até os ambientes fechados dos shoppings. A insegurança existe e aumenta na periferia e nos bairros nobres de Porto Alegre. A insegurança assusta a mãe que leva seu pequeno para tomar um sol na praça perto de sua casa e o velho que se sustenta sobre as suas bengalas. A insegurança se instala nas nossas mentes e dilacera nossos corações. A insegurança mata com a mesma violência na Vila Cruzeiro do Sul, na Redenção e no bairro Higienópolis. A insegurança não escolhe as suas vítimas. A insegurança cresce desenfreada em Porto Alegre e em todo o Rio Grande do Sul.
E no meio de uma comoção gerada por mais uma morte violenta na capital gaúcha, um comunicador que detém um espaço nobre em uma rádio do Grupo RBS decide incitar a violência e respingar ódio e raiva ao ler uma carta aberta no programa Pretinho Básico. Nas suas palavras, ele defendeu que jornalistas e formadores de opinião, filhos e parentes de políticos e governantes, por criticarem os excessos da Brigada Militar, sejam as próximas vítimas da violência. "Que sejam eles a sangrar e a deixar suas famílias enterradas", profetizou Alexandre Fetter, no programa dirigido ao público jovem na Rádio Atlântida FM, na última sexta-feira, 26 de agosto.
Mas é isto mesmo Alexandre? Você perdeu totalmente o juízo? Você não tem a mínima noção do poder de formação de opinião de uma rádio como esta onde você trabalha? Você tem alguma ideia do quanto irresponsável foi? Você deseja mesmo que mais pessoas morram? Você consegue deitar sua cabeça no travesseiro e dormir à noite depois das insanidades que bradou na rádio? Você sugeriu que as próximas vítimas da violência que mata todo o dia na Vila Cruzeiro do Sul (talvez você não saiba disto) sejam os parentes, filhos, pais e mães de jornalistas, políticos e governantes? Você falou a imensa bobagem que ideais marxistas, supostamente entranhados nas faculdades de Direito e Jornalismo, seriam responsáveis pela criminalidade?
Que tipo de comunicador você é Alexandre? Que tipo de pessoa você é Alexandre? Que tem vergonha de colegas de profissão que não se calam e criticam os excessos das autoridades policiais no Estado? Que não cita o nome dos colegas, mas se acha no direito de desejar que sejam as próximas vítimas? Que tipo de ser humano você é para sentir nojo das pessoas que defendem os direitos humanos? Que faculdade você frequentou e não aprendeu que liberdade de expressão não se sobrepõe ao direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal?
Sei lá, Alexandre. Você passou dos limites. Você esqueceu que incitação à violência é crime previsto no Código Penal ou não se preocupou com isto por estar empregado em um meio de comunicação de grande poder e audiência, que certamente arcará com bons advogados para a sua defesa? Sei lá, Alexandre. Você jamais deveria ter desejado a morte de qualquer pessoa. Você esqueceu o seu compromisso como cidadão? Sei lá, Alexandre. Você nunca deveria ter falado, num espaço público, que é uma concessão, tudo aquilo que você falou. Sabe, Alexandre, eu tenho é muita pena de você.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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