QUEM TEM, TEM MEDO 

Morreu Havelange. Segue aí um texto que conta como ele me fez atravessar a Vieira Souto, Ipanema, diversas vezes. Fevereiro de 1969, fazendo a …

Morreu Havelange. Segue aí um texto que conta como ele me fez atravessar a Vieira Souto, Ipanema, diversas vezes.
Fevereiro de 1969, fazendo a barba antes de ir para o trabalho na Standard Propaganda, Rio, dei-me conta que eu estava fadado, naquele ano, a administrar o trabalho dos outros e a assinar papéis. Eu havia aprovado, na véspera, campanha e programação anual para a Shell, cujo grupo eu chefiava, tendo os "Mutantes" como protagonistas.
No Grupo de Atendimento, além de minha assistente direta - Lia Moreira - havia chefe de propaganda, de promoções e contínuos. Ficar acompanhando produções e assinar papéis não tinha nada a ver com meu perfil profissional.
A caminho da agência, lembrei-me que em 1970 aconteceria a Copa de Futebol no México e que isso, certamente, seria o grande tema do próximo ano, já se sabia, também, que essa seria a primeira Copa a ter transmissão de televisão direta para o Brasil. Telefonei para J.U. Arce, Superintendente Comercial da Rede Globo, e pedi que assim que ele tivesse, mesmo em ordem de grandeza, me passasse o custo de uma cota de patrocínio.
Ele tinha, ainda que em dólares, o custo exato das três cotas do pool de emissoras. Naquela época, a Esso era a quinta conta publicitária do paÍs e a Shell a sexta. Mesmo assim, por questões de um marketing atrelado ao quadro de venda de combustível, não seria um bom negócio, para ambas as empresas, comprar uma cota de patrocínio.
Dias depois, reuni num almoço na Casa da Suíça todas as cabeças pensantes da Standard e coloquei minha estratégia: criar uma campanha relativa à colar estudar viabilidades quando um fato paralelo caiu do céu: João Havelange, presidente da então Confederação Brasileira de Desportos - CBD (a CBF só foi criada em 1980), criou uma comissão de fundos pró - CBD e conseguiu que o banqueiro Walter Moreira Salles a presidisse. Então, ocorreu-me a ideia de criar um adesivo para ser vendido nos postos Shell e cuja renda líquida fosse destinada à Seleção, dita canarinho. Convoquei Aloísio Magalhães (cujo escritório anos depois criou o papel moeda brasileiro) e pedi que criasse um adesivo, coisa que ele fez com maestria, a partir de uma foto do Pelé dando uma bicicleta e que havia ganhado o Prêmio Esso (olha a ironia) de Fotografia.
Montei meu plano, pedi uma reunião na Shell e R Fillardi, vice-presidente e responsável pelo marketing, na presença dos seus gerentes, disse: - "Gênio, negro, mas e se o Brasil não vencer?"
- O pé frio vai ser a Esso e povo triste precisa de música (puxei meu plano de shows  pelo Brasil que nunca foi lido) Cicero Leuenroth era  o dono da Standard e amigo do Moreira Salles, que topou a proposta, acionou Havelange e num sábado à tarde, na residência do banqueiro, na Gávea, onde hoje é a Fundação que leva seu nome, reunida a família  do anfitrião, João Havelange, João Saldanha, então o técnico da seleção, a cúpula da Shell e da Standard, apresentei já a campanha publicitária em cima da venda dos adesivos cujo verso levaria as assinaturas de todos os jogadores - as "feras do Saldanha" e do próprio, Tudo aprovado e acertado, fiquei apenas dependendo, conforme o combinado, de uma carta-autorização de presidente Havelange para desencadear a campanha.
Na segunda-feira, na Standard, detonei a produção de peças para jornais, revistas, rádio e TV, contratei os jornalistas esportivos Achiles Chirol e Fernando Horácio da Matta para tornar a ideia simpática junto à classe e, semanas depois, João Saldanha à cabeceira de uma grande mesa na Churrascaria Gaúcha avalizava a exposição que fiz à crônica esportiva sobre a campanha pró-fundos.
Tudo pronto para colocar a campanha na rua, eu precisava da carta do Havelange e começou minha odisseia.
Havelange, dizia a secretária dele, estava em Bogotá mas, conforme meus olhos atestavam, caminhava bem cedo na Vieira Souto, depois a secretária mandou-o para Caracas e ele, onipresente, estava também na Vieira Souto, depois, Assunção e Vieira Souto, e eu feliz dele ou o clone dele ser muito alto, pois mal eu avistava um deles no calçadão, atravessava a rua: eu não queria que ele soubesse que eu sabia que estavam me mentindo.
Finalmente, na segunda-feira, 1º de setembro, às oito da manhã, quando eu entrava na Standard, a secretária do Havelange me telefonou para que eu mandasse apanhar a carta. Na véspera, última partida das eliminatórias, no Maracanã, Brasil 1x Paraguai 0, ou seja, quem tem, ? tem medo.  A venda dos adesivos, colocados nos vidros dos carros, imantou a Shell à seleção e quando Arce me telefonou, para que eu enviasse a autorização da cota de patrocínio, eu disse para ele ligar para a McCann Erickson, agência da Esso. Arce me telefonou depois de receber o ok da Esso e disse mais ou menos isso:
- Gordo sinistro, vou pagar um almoço para você me contar essa história.
Conclusão: a venda de um milhão e meio de adesivos rendeu uma boa grana à Seleção, esta sagrou-se tricampeã e eu ganhei um almoço.
Anos depois, quando fui para a Globo eu já era, para eles, o "Gordo Sinistro".
Inté
(DO LIVRO ALMANAQUE DO CAMALEÃO)

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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