Espertos, espertinhos, espertalhões

CORVO DO POE ? Você por aqui? Sei não, a entrevista com o Sérgio Fantini nem esfriou e mais papo sobre literatura no meio …

CORVO DO POE - Você por aqui? Sei não, a entrevista com o Sérgio Fantini nem esfriou e mais papo sobre literatura no meio dessa crise?
ES - Olha, se vamos esperar que não haja crises, não haja fome, não haja guerras e demais crimes pra falar de literatura, é melhor botar fogo nas bibliotecas. O mundo é essa bagunça atroz desde sempre e a literatura faz parte dela, uma das poucas boas, por sinal - além de nos divertir, pode clarear as coisas.
CP - Minha nossa, discurso a essa hora da manhã e com chuva ainda por cima.
ES - Aposto que você não reclamaria se a entrevista fosse com uma atriz gostosa de novelas. Ou com uma dessas cantoras que mais rebolam que cantam.
CP - Bom, elas não teriam o que dizer, mas teríamos melhores fotos. De que livro vamos falar?
ES - Um que tem muito a ver com a crise política.
CP - Espera aí, mas não se trata de um livro infanto-juvenil?
ES - Sim: Espertos, espertinhos, espertalhões, numa bela edição da Edelbra e ilustrado pelo grande Rodrigo Rosa.
CP - Pelo título, imagino que esteja falando do congresso, da imprensa, da justiça e do empresariado brasileiro.
ES - Não, embora eles forneçam material pra botar O chefão, do Mario Puzo, no chinelo.  Nesse livro falo da esperteza de um modo mais genérico, digamos, sem um contexto social específico. Esses contos servem pra gente conhecer mais de perto as pessoas, sejam elas ricas ou pobres, boas ou não. Pegue este exemplar e dê uma olhada.
CP - São nove contos populares de origens variadas: Arábia, Espanha, Rússia, Mongólia e Brasil.
ES - Como se vê, a esperteza ou jeitinho não é monopólio brasileiro. É preciso ser muito desinformado ou mal-intencionado pra acreditar nisso.
CP - Ou ter um complexo de vira-lata que nem o Freud curaria.
ES - É isso aí.
CP - Mas tua lista de países não é muito longa.
ES - Esses contos aparecem em muitos outros países com pequenas ou grandes variações. Em alguns países, eles encontraram melhor forma. Então cito o país meio como uma homenagem aos contadores de história de lá.
CP - Imagino que esses contos sejam antigos.
ES - Claro, tão antigos como os outros. Veja o que digo na introdução: "Sabe-se, os contos tratam dos grandes medos, começando pelo mais terrível, que nos acompanha desde os tempos das cavernas: o medo de virar janta de feras ou monstros. Depois vêm outros, não menos terríveis, como o medo de ver mortos levantando da tumba, o medo do abandono de pais ou amores, o medo do desconhecido e da violência na figura do noivo animal - como chamam as histórias tipo bela e a fera - ou o medo de não ser o filho desejado. A lista dos medos não termina aqui, mas felizmente a dos contos também não. Entre todos os medos, há um que talvez se considere uma bobagem, mas, se fosse uma bobagem, não inspiraria tantos contos, alguns dos mais divertidos e vingativos. Falo de um medo miserável: o medo de ser enganado".
CP - O espertalhão mais famoso no Brasil, pelo menos no folclore, é Pedro Malasartes, mas você incluiu apenas um conto dele.
ES - Como ouvi muitas histórias do Malasartes quando era pequeno, pensei em fazer todo o livro com ele. Consultei então o velho e bom Câmara Cascudo, que reuniu praticamente todas as histórias que correram o Brasil. Mas me decepcionei: Pedro Malasartes é desonesto e truculento. Por isso escolhi apenas uma história, a única em que a esperteza dele é usada contra a injustiça e a violência.
CP - Uma curiosidade: você inclui um conto russo - "Nicolauzinho e Nicolauzão" - que tem partes do enredo estreladas pelo Malasartes no Brasil.
ES - Essas mesmas partes aparecem num livro de contos celtas, por exemplo. Pra você ver como as fronteiras têm pouca importância no caso das histórias. Eu preferi a versão russa por ser a única completa que encontrei e a mais divertida, sem falar que a mais sutil no modo de insinuar coisas escabrosas.
CP - Vejo aqui que também tem espertinhas.
ES - Você tinha dúvidas de que a esperteza não é um monopólio masculino?
CP - Não, não. Tenho uma tia, por exemplo, que? Bom, outra hora te conto umas façanhas da minha tia. As crianças estão gostando do livro?
ES - Selecionei histórias cheias de humor, aventura e irreverência, por que não iam gostar? Ética, ou a própria bondade, é um assunto sério e espinhoso de ser tratado, certo?
CP - Principalmente na escola.
ES - Mas não precisa ser chato.
CP - Se não me enganei, das nove histórias, quatro são do Brasil. São brasileiras mesmo ou se aclimataram melhor nos trópicos?
ES - Acho que se aclimataram. Sabe o que é? As histórias acompanham as pessoas em suas viagens. Como a água, que adota a forma do copo que a contém sem nunca deixar de ser água e matar a sede, as histórias adotam novos costumes e novas línguas sem deixar de serem elas mesmas: as alegrias, os desejos e os medos fundamentais que as inspiraram permanecem vivos. Por mais diferentes que sejam por fora um branco e um negro, um vermelho e um amarelo, ou qualquer outra combinação, por dentro todos carregam alegrias, desejos e medos muito semelhantes. Quer dizer, é simples o milagre de que uma mesma história sacie a sede de tantos povos.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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