Página infeliz da nossa história

Estou de luto. Não sei se consigo escrever. Não me sinto em condições de ser isenta. Desde a última quarta-feira (31 de agosto), quando …

Estou de luto. Não sei se consigo escrever. Não me sinto em condições de ser isenta. Desde a última quarta-feira (31 de agosto), quando 61 senadores votaram favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff, legitimamente eleita presidenta deste berço esplêndido por mais de 54 milhões de brasileiros e brasileiras lá no dia 26 de outubro de 2014, ando um tanto perturbada, desmiolada, destemperada, descompensada. A minha presidenta (desculpe MINISTRA do Supremo Tribunal Federal, Carmén Lúcia, consulte melhor o dicionário, pode ser o Houaiss ou o Aurélio), foi injustamente retirada de um cargo sem absolutamente nada de ilegal ter sido provado contra ela.
Todos sabem, acredito que inclusive os 61 senadores que votaram pelo seu afastamento do cargo de presidenta, que ela não cometeu crime de responsabilidade fiscal. Sem isto, lamento, mas sou obrigada a endossar o coro de muitos inconformados com o impeachment. Trata-se de um golpe. Não tem outro nome. É golpe.
Estou de luto. Não sei se consigo me recompor. Não me sinto em condições de me esquecer dos nomes dos 61 traidores que simplesmente ignoraram os votos de 54 milhões de brasileiros que elegeram Dilma Rousseff para governar o Brasil por quatro anos. Até 2018. Aqui, no fundo, com os meus botões, acho algo estranho quando o número 61 torna-se maior, mais representativo e mais definitivo que 54 milhões. Sinto que a democracia, sem a menor sombra de dúvida, foi abalada, subtraída, denegrida e enterrada.
Acordo todas as manhãs pensando que o dia 31 de agosto foi um pesadelo e aquela votação no Congresso simplesmente não ocorreu. Foi uma brincadeira de mau gosto de alguém desmiolado. Mas não foi. A presidenta legitimamente escolhida foi deposta. Abro os jornais que tenho acesso, ou por assinatura física ou virtual, e penso que lerei nas manchetes o nome da presidenta eleita por 54 milhões de pessoas naquele segundo turno das eleições em 2014. Mas não. O que encontro são notícias de um presidente golpista (não pretendo escrever o nome dele) com as mais preocupantes ameaças de retiradas de direitos de trabalhadores, medidas que irão alterar a previdência social e alterações em benefícios sociais.
Carrego ainda a esperança de todas as cores e não só em tons verdes e amarelos de que os votos de 54 milhões de pessoas serão respeitados. Tenho ainda uma tênue expectativa de que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o recurso que deverá ser interposto pela presidenta eleita Dilma Rousseff, veja que não ocorreu crime de responsabilidade fiscal e, por isso, não existe crime. Mas se há impeachment sem isto, é golpe. Mas que estúpida mania cultivei nesta minha vida de ainda acreditar no correto, no justo, no certo e no legal.
Assim como eu, meu eterno namorado Chico Buarque, sabe que Dilma foi vítima de um golpe. E por isso, peço emprestado um trecho da sua música "Vai Passar" que diz muito sobre este momento. "Num tempo, página infeliz da nossa história, passagem desbotada na memória, das nossas novas gerações. Dormia, a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações".
E como me recuso a falar, escrever ou mencionar nome de golpista, encerro assim: Namastemer, isto é, o Fora Golpista que habita em mim saúda o Fora Golpista que habita em você.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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