Talismãs

  "Já somos o esquecimento que seremos.” (Jorge Luis Borges) Ele sempre gostou de colecionar talismãs. Reais ou fictícios? Não se sabe bem os …


 

"Já somos o esquecimento que seremos."

(Jorge Luis Borges)
Ele sempre gostou de colecionar talismãs. Reais ou fictícios? Não se sabe bem os porquês, mas Jorge Luis Borges fez uma lista de seus prediletos - são coisas místicas, quase misteriosas. Nem mesmo os biógrafos dizem se eram produtos do imaginário ou meros objetos de desejo do poeta. O jornalista Jorge Monteleone, que entrevistou Borges no apartamento da Calle Maipú, disse que não eram talismãs, mas avatares inventados por Borges e que estão inseridos em seus versos e contos.

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Para os críticos, Jorge Luis Borges foi um homem 100% metafórico. Em 1969, em seu Elogio da Sombra, ele anunciou que abordaria apenas cinco temas em sua obra futura: espelhos, labirintos, espadas, velhice e ética.
Um verdadeiro liberal em pleno século XIX, Borges se dedicava a fazer poesia em vez de tentar interpretar a realidade. Ciências não o seduziam - não encontrava gosto em Hegel, Marx, Freud e Einstein. Mas devorava com fervor Virgilio, Dante Alighieri, Miguel de Cervantes, Schiller e Carlyle. Dizia que a literatura que o emocionava havia sido escrita 100 anos antes. E a ela se dedicava, recriando fábulas, reescrevendo enigmas, fantasias e evangelhos. Não pretendia produzir informação ou raciocínio, mas apenas a simples emoção poética. Os talismãs ajudam a iluminar alguns dos mistérios borgeanos e sua obsessão pela presença da memória.
A lista de Borges:
- Um exemplar do Edda Islandorum, manuscrito islandês do século 17 com os rituais dos antigos druídas.
- A primeira edição dos 5 volumes de Arthur Schopenhauer.
- A espada desembainhada por Saladino na conquista de Jerusalém.
- Uma cuia de mate com um suporte de 3 serpentes de prata, que meu bisavô trouxe de Lima.
- Um prisma de cristal da Patagônia.
- Um daguerrotipo da fundação de Buenos Aires.
- Um globo terrestre de madeira, presente de Cecilia Ingenieros, esquecido em Madrid.
- Uma bengala de punho curvo de prata, que andou pelas planícies da Colômbia, do Texas e nos pampas da Argentina.
- Cilindro de metal com meus diplomas de professor universitário.
- O barrete da Ordem de Comendador, que me foi entregue pelo presidente Giovanni Gronchi.
- Uma cópia de Empresas Politicas, o libelo anti-Machiavelli escrito por Diego de Saavedra Fajardo em 1640.
- A memória de uma manhã de 1921, quando voltamos para Buenos Aires.
- O velho caderno, onde copiei versos de Rainer Maria Rilke.
- A voz de meu amigo Macedonio Fernández.
- As três páginas manuscritas do prólogo para Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury.
O poeta pouco falava sobre o que significavam seus talismãs. Uma das raras referências está em La rosa profunda, de 1975:
"- Certamente que são meus talismãs, mas que de nada servem contra as sombras que não posso, nem devo mencionar."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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