Proustianas

” Se sonhar pouco é perigoso, a cura não é sonhar menos, mas sonhar mais, sonhar o tempo todo”. (Marcel Proust) O balneário Balbec, …

Coluna JA 27

" Se sonhar pouco é perigoso,

a cura não é sonhar menos,

mas sonhar mais, sonhar o tempo todo".

(Marcel Proust)
O balneário Balbec, imaginado por Marcel Proust em "Em Busca do Tempo Perdido" existe de verdade - fica na Normandia e se chama Cabourg. No século XIX, seu luxuoso Grand Hôtel Cabourg era palco para figuras célebres, como o pintor Édouard Manet, o poeta George Sand, o músico Claude Debussy e Charles Garnier, o arquiteto da Opéra de Paris. Inteiramente restaurado, o grande edificio de arenito rosado revive seu antigo esplendor e seus salões voltam a brilhar, ao estilo da Belle Époque. Um de seus assíduos frequentadores, Marcel Proust, passava temporadas em Cabourg, em busca de alívio para a asma que o castigava desde a infância. Se hospedava em um apartamento de frente para o mar, de número 414 e alugava os quartos anexos, para garantir sua privacidade.
Não é raro o Grand Hôtel ser visitado por grupos de proustianos, que procuram repetir as pegadas do escritor. Começam com um passeio à beira-mar pela Promenade Marcel Proust, vestindo trajes de época. Depois, prosseguem até o salon de thé, onde mergulham suas madeleines em xícaras de chá de porcelana de Limoges. O programa se encerra à noite, no restaurante que Proust chamava de "O Aquário" em "À Sombra das Raparigas em Flor". Agora, rebatizado de "Le Balbec", se orgulha de ostentar no cardápio o "Sole au Beurre", que o chef Jérôme Lebeau garante que era o prato preferido de Proust.
Mas não é certo que os proustianos, mesmo pagando 95 euros pelo Linguado em manteiga da Normandia, concordem com a afirmação. Eles conhecem as idiossincrasias do escritor e sabem que ele comia frugalmente - enquanto escrevia os capítulos finais de "Em Busca do Tempo Perdido" em seu apartamento no 4º andar, ele se alimentava quase que exclusivamente de café-com-leite e croissants.
O mesmo comportamento que ele manteria mais tarde, nos seus anos finais em Paris. Saia de casa ocasionalmente, para almoçar no "Pré Catalan", no Bois de Boulogne, um preferido da personagem Madame Verdurin. Também frequentava o Hotel Ritz, onde jantava em uma sala privada, atendido pelo garção Oliver, que cuidava que a lareira estivesse acesa e as cortinas, fechadas. Sabe-se que Oliver mantinha longos diálogos com Proust, mas ele nunca disse uma palavra sobre o que conversavam. O maître d"hôtel do fictício hotel em Balbec, deve ter sido inspirado no fiel garção do Ritz.

***
Em seus meses finais, mesmo desnutrido e sofrendo de caquexia, Marcel Proust, um ávido glutão na juventude, encomendava pratos de sua afeição. Era comum ver garções do Ritz à porta do nº 44 da rue Hamelin, carregando bandejas de linguado frito e frango assado e garrafas de cerveja gelada. Um derradeiro pedido, no dia 18 de novembro de 1922, chegou tarde demais para Marcel Proust.
Ele recebeu todas as honras póstumas possíveis - o endeusado fotógrafo Man Ray, um dos integrantes da "Lost Generation," captou sua imagem no leito de morte. A foto correu mundo em todos os grandes jornais e virou um ícone daquela época. O mundo literário e artístico de Paris lotou a capela Saint Pierre de Chaillot, na Avenue Marceau, na missa solene celebrada em sua memória. Foi sepultado no cemitério Père Lachaise,  não longe de onde já repousava Charles Baudelaire, morto 4 anos antes. Na lápide, está gravado seu nome e as datas de nascimento e morte.
Mas um desejo final de Proust não foi atendido - o epitáfio com a frase  de "As Flores do Mal" que ele gostava de citar em voz alta:

"Ne cherchez plus mon c?ur; des monstres l"ont mangé."

 ***

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

Comentários