A feira está diferente, estranha, entulhada e pequena

Dediquei dois dias da minha agenda da semana para visitar os corredores da 62ª Feira do Livro, que se encerrou nesta terça-feira, na Praça …

Dediquei dois dias da minha agenda da semana para visitar os corredores da 62ª Feira do Livro, que se encerrou nesta terça-feira, na Praça da Alfândega, no Centro Histórico de Porto Alegre. Passear despreocupada pelas barracas, olhar os principais títulos expostos estrategicamente pelas editoras e livrarias, enfiar as mãos e vasculhar as caixas com os sebos à procura das melhores ofertas, e caçar rostos conhecidos para uma conversa informal ou quem sabe um café. E nos dois dias, fiquei dentro da minha proposta inicial. Evitar os investimentos em livros em excesso e voltar sem muitas sacolas a fim de ficar encaixada no pequeno orçamento doméstico.
O meu primeiro compromisso na Feira do Livro foi para prestigiar a concorrida sessão de autógrafos do livro "Todos querem ser Mujica", do jornalista, colega e amigo Moisés Mendes. Ideia genial dos jornalistas Denise Nunes (colega e amiga de tantas jornadas) e do Flávio Ilha, na estreia da Editora Diadorim, o livro tem o excepcional texto do Moisés. Imperdível. Mas o que valeu mesmo foi a dedicatória do autor (emocionei-me pelo resgate do afeto ali escrito), rever, reencontrar e receber carinho de ex-colegas e amigos de tantos empregos. E principalmente, uma certeza, quase que uma profecia de que a Diadorim vai dar muito certo neste mercado. Parabéns De e Flávio.
Com menos pressa e planejamento, separei algumas horas da terça-feira à tarde para novo passeio pela praça. Evidente que toda população que ficou em Porto Alegre teve a mesma ideia e o andar pelos corredores estava quase inviável. Gente nervosa, empurrando para conseguir chegar e olhar melhor os livros, filas imensas na insignificante Praça da Alimentação e poucas ofertas de final de evento. Mas faz parte. O último dia da feira sempre tem suas peculiaridades e nem sempre se encontra o que se foi até lá de melhor procurar.
Mas deixei os bancos da praça, as barracas, as caixas de sebos, o pequeno espaço da Praça de Alimentação, o povo que adora postar-se na frente dos principais livros e folheá-los como se fosse possível encerrar a leitura ali e tudo aquilo que faz o charme da Feira do Livro com uma sensação diferente. Eu já nem a conheço mais. Eu já não posso caminhar pelos seus corredores de olhos fechados sabendo o que irei encontrar. Ela está estranha, entulhada e pequena. Perdeu parte de seu encanto. Escondeu parte de seus recantos. Reduziu sua capacidade de reunir, reencontrar, reencantar. Parece que já não cultiva sorrisos, rosas, ipês e rimas. Parece que tem uma urgência de vender. Parece que olha o leitor de cima, com certo ar de superioridade e impaciência.
Quem dera a Feira do Livro de 2017 mostre-me que eu estava errada. Que as minhas impressões, na edição deste ano, tenham sido passageiras. Que a Praça ainda é e continuará sendo dos livros. Quem dera o tempo que vai, quem dera o tempo que vem, desfaça este pedaço insignificante de feira perdido assim, sem jeito, sem personalidade, sem beleza, no meio da praça. Quem dera, na edição do próximo ano, ela seja de novo descoberta.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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