O que aconteceu, chef?

"O fogo é sempre mágico, reunindo pessoas e acalmando o ritmo da vida, seja cozinhando nas ruas de Paris, debaixo da ponte de Brooklyn …


"O fogo é sempre mágico, reunindo pessoas

e acalmando o ritmo da vida, seja cozinhando

nas ruas de Paris, debaixo da ponte de

Brooklyn ou nas lonjuras dos Andes."

(Francis Mallmann)

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Benvindos ao 1884, o mais celebrado restaurante da Argentina e que lota todos os dias, desde 1996, quando abriu as portas em Mendoza. Sua localização não poderia ser mais perfeita: ao pé dos Andes, junto aos vinhedos mendocinos, onde são cultivados alguns dos melhores vinhos do Novo Mundo. O endereço: Calle Belgrano, 1188, em uma construção colonial de 130 anos. O restaurante nasceu de uma ideia visionária de Nicolás Catena Zapata, cuja família estampa seu nome nos rótulos dos mais caros e premiados vinhos do Chile.
E na cozinha? Ninguém menos do que Francis Mallmann, um chef famoso pela excelência da gastronomia que se apresenta em seus restaurantes La Pampa, na Argentina, Garzon, no Uruguay e Los Fuegos em Miami. Em resumo - a receita perfeita para o sucesso.

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Mas alguma coisa não deu certo. O 1884 começou bem - em seu ano de estreia, ficou em 7º lugar na lista "The World"s 50 Best Restaurants".
No entanto, em 2016, caiu para o 42º lugar do mesmo ranking?
Os críticos de culinária coçaram a cabeça, perplexos, se perguntando:
"- O que aconteceu com Francis Mallmann?"
A resposta chegou em uma carta aberta que o celebrado chef, enviou ao júri do "The World"s 50 Best", onde conta de sua paixão pela comida e de seu desencanto com os rumos da indústria da gastronomia:
"Muito obrigado por me escolherem como um de seus jurados, mas decidi não votar mais em premiações. Já me sentia desconfortável nos últimos dois anos, mas agora não posso mais continuar.
Vejam: eu cozinho há 40 anos. Como sabem, cozinha é um romance com os ingredientes, o espaço, o serviço, o timing e o silêncio. Observo alguns sentimentos contrários em muitos colegas, que estão tão preocupados com prêmios, que passam o ano fazendo lobby, saltando de palestra em palestra e - na minha opinião - desperdiçando um tempo valioso e se distanciando dos reais valores que fazem um restaurante.
Os prêmios criaram um ambiente fictício e super competitivo em nossa cultura gastronômica. Inovação aparece como o principal valor. Embora não haja nada de errado com inovação, ela nos afasta da valorização de um ofício, em favor do que chamam de arte. Jovens chefs procuram atravessar pontes, muito antes do que deveriam, tentando parecer diferentes, famosos ou revolucionários. A arte é uma atitude intelectual, enquanto a comida e o vinho têm mais a ver com sentidos e partilha.
Comida e vinho fazem-nos mais aguçados, mais espirituosos. E podem estimular pensamentos e melhoram nossa comunhão com companheiros, amigos, amantes. Certamente a cozinha pode ser intelectual, mas deveria sê-lo de modo mais silencioso e - atrevo-me a dizer - mais humilde.
Certamente me senti muito honrado quando meu restaurante 1884, já em seu primeiro ano de existência, foi o sétimo colocado na lista "The World"s 50 Best Restaurants". Mas agora, minha vida na cozinha não tem mais compromissos com rankings e premiações.

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Atualmente, Francis Mallmann se divide entre seu rancho na Patagônia e os restaurantes que levam seu nome, na Argentina, Uruguai e Miami.
Suas técnicas de cozinhar ao estilo indígena foram tema de um recente episódio da série Chef?s Table, da Netflix. A entrevista despertou reações controversas pela defesa incondicional da cozinha de raiz, que descarta modismo e invenções, cada vez mais presentes entre os jovens chefs em busca de estrelas e prêmios. O 1884 pretende homenagear os vinhos de Mendoza e resgatar a cozinha dos Andes e da Patagônia. No local, foi restaurada uma antiga bodega, que agora abriga os mais premiados vinhos da Maison Chateau Laffite e da Catena Zapata nos últimos 25 anos.
Em seu livro "100 Recetas e Siete Fuegos", que deve chegar em breve nas livrarias, Francis Mallmann faz analogias entre a arte de fazer vinhos e a de assar carnes:
"Não se pode ter pressa.
Carnes e vinhos devem ser tratados com paciência e calma.
Assim como os bons vinhos precisam de anos para alcançar seu máximo de excelência, os assados ficam perfeitos depois de seis ou sete horas. O fogo é belo, mas frágil, quase feminino. Pode-se aprender muito com ele."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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