Abril, mês da saudade

Desde 2012, o mês de abril traz sintomas inconfundíveis de saudade. Aquela dor pungente que invade o peito da gente a toda hora, sem …

Desde 2012, o mês de abril traz sintomas inconfundíveis de saudade. Aquela dor pungente que invade o peito da gente a toda hora, sem pedir licença, e se instala nos horários e nas situações mais inoportunas e desagradáveis. E não nos abandona obedecendo aos nossos comandos. Ela se concede o luxo de sumir somente quando quiser. Depois de muitos minutos ininterruptos de lágrimas, de horas intercaladas de soluções, de tardes de desânimo no sofá da sala. Essa saudade, que mescla doses de melancolia, nostalgia e felicidade pelos momentos vividos, começou a ocorrer em meses aleatórios a partir de 2003, quando o meu mano caçula Dedé, Dédi ou Luli faleceu. Mas ganhou lugar obrigatório na minha vida com a morte da minha mãe, em 2011, e, desde então, em todos os meses de abril, perto do seu aniversário, 17, e nas comemorações de páscoa, quando esta data acontece neste período.
Simplesmente porque minha mãe adorava muito o dia do seu aniversário e além de programar chás e demais eventos com as amigas da sociedade espiríta onde trabalhou enquanto a sua saúde, bem mais precária nos últimos anos, permitiu, adorava receber em seu apartamento, na Rua Doutor Barros Cassal, filhos, filhas, genros, nora, netos, netas, bisneta e bisnetos. Assim, neste 17 de abril, em que mamis completaria 82 anos, teve festa em algum lugar no andar superior que ainda desconheço seu nome e seu aspecto. A mãe Mirthô deve ter preparado balões, torta de atum, cachorro quente, brigadeiro, pudim de leite, trufas deliciosas e aquela sensacional torta de bolachas, que ela fazia como ninguém. E certamente, foi um encontro de muita alegria e amor, porque foi exatamente isto que ela espalhou aqui no plano terreno junto a amigos e familiares.
Fiquei alguns minutos triste. Tolerei instantes de lágrimas derramadas. Permaneci um período da tarde abatida. Sentada, quase atirada no sofá da sala a chorar de saudade e lembrar aniversários passados. Depois, com muita força de vontade e determinação, expulsei a saudade ruim, a triste, a que causa depressão. E deixei entrar sorrateira a saudade dos momentos felizes experimentados em família, das idas ao shopping no sábado à tarde para tomar um café no seu quiosque preferido, das tardes de domingos em que todos os filhos e as filhas, com seus familiares, reuniam-se na sala do apartamento da mãe e o tempo era consumido entre conversas, cafés e bolos e demais quitutes que somente a mãe sabia cozinhar.
E embora abril tenha transformando-se, desde a sua partida, em sinônimo de saudade, também virou uma espécie de reverência à sua memória, a tudo de bom que ela plantou, aos filhos que ela gerou, aos sentimentos que ensinou aos familiares, ao respeito que transmitiu aos netos e netas, aos sabores culinários que ela implantou na nossa mente. Por exemplo, é impossível pensar em Sexta-Feira Santa sem que a minha mente fique impregnada do cheiro delicioso dos bolinhos de bacalhau que espalhavam aroma pela casa toda desde o início da manhã, quando Mirthô, com suas mãozinhas pequenas, habilidosas e já enrugadas começavam a amassar as mais de 100 unidades da comida que mais tarde seriam, literalmente, devoradas pelos membros da família.
Nesta Sexta-Feira Santa, a minha filha Gabriela, que ama muito mas nem sempre demonstra (e isto não é uma crítica, porque já disse Caetano, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é), lembrou com muito afeto dos bolinhos preparados pela sua avó, que foi parceira indispensável e essencial na sua educação, dos 8 aos 13 anos, quando voltei a morar com Mirthô no apartamento da Barros Cassal. Recordou da paixão que mamãe colocava em cada ingrediente do bolinho, da quantidade indescritível e louca que ela preparava, da gula de todos os membros da família ao comê-los e das felizardas que moravam com ele (eu e Gabriela) porque sobrava bolinhos para comer durante toda a semana posterior. Tenho certeza que onde estivesse, naquele momento, mamãe estaria muito feliz com a lembrança da neta Gabriela e distribuiria bolinhos de bacalhau na sua nova morada.
Apesar da saudade que abril sempre me traduz, sei que os nossos entes amados, se amados foram pelos seus familiares aqui neste plano, como foi Mirthô, querem nos ver felizes e plenos de amor, Por isso, mamãe, saiba que os meus dias, ainda que vez ou outra, tenham momentos da saudade ruim, tem sido sensacionais, felizes, inspiradores, promissores. Simplesmente porque carrego comigo um pedaço do seu coração. Segundo E.E. Cummings, "carrego o seu coração comigo, eu o carrego no meu coração, nunca estou sem ele, onde eu for, você vai, minha querida".
 

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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