As mil e uma qualidades das mulheres

No meu tempo de jornalismo, eu diria: parem as máquinas. Nos dias atuais, nós, mulheres do mundo inteiro não podemos mais viver sem seguir …

No meu tempo de jornalismo, eu diria: parem as máquinas. Nos dias atuais, nós, mulheres do mundo inteiro não podemos mais viver sem seguir os conselhos de um "expert" no assunto que enumerou, na sua coluna no Jornal Novo Tempo, de Garibaldi, as três qualidades essenciais para uma mulher. Ela não pode ser relaxada. Deve estar sempre bonita e ter equilíbrio emocional. Simples assim, companheiras mulheres. Só que não. Vocês, segundo o físico, professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e doutorando em Engenharia Mecânica, André Contini, autor do texto preconceituoso, machista, discriminatório e misógino, desenvolvendo as qualidades acima, serão mulheres exemplares, livres de qualquer defeito e como os homens, da espécie insignificante de André, esperam e almejam, como se fossemos mercadorias.
Tais qualidades femininas (não ser relaxada, estar bonita e ter equilíbrio), enfatizou o professor no texto, são baseadas na filosofia de vida de sua mãe. Em primeiro lugar André (vou tratá-lo na intimidade), que peninha senti da sua mãe, pois me parece, ao ler sua coluna tendo a sua genitora como exemplo, que ela experimentou uma vidinha um tanto quanto infeliz, medíocre e sem a mínima graça, servindo ao poder patriarcal de uma sociedade que sempre inferiorizou a mulher.  Sem voz, sem opções, sem caminhos e sem alternativas.
Vamos à primeira qualidade considerada fundamental pelo professor da UCS: uma mulher não deve ser relaxada. Se ele usou isto como sinônimo de sujeira, concordo que independente de gênero, ninguém deve ser relaxado. Mas não! Referia-se o doutorando que uma mulher, para não ser relaxada, deve pintar as unhas, usar salto alto e manter-se depilada. Pois eu lhe respondo seguidor de um sistema machista e opressor. Pintar a unha, usar salto alto e depilar-se é opção de cada mulher. Nenhuma das características acima me define mais ou menos. E sobre o salto alto, na visão do André, para deixar a mulher mais alta e o bumbum mais arrebitado, lhe informo: não somos mercadorias expostas num açougue como carnes de primeira. Não quero acreditar que sua mãezinha ficava pendurada para ser comprada num açougue.
Em segundo lugar, caro André, a mulher é sempre bonita, porque tem inteligência, leveza, sabedoria, humildade, agilidade, gentileza e coragem. Ela consegue governar e administrar muito além da sua casa. A mulher está sempre bonita porque tem um corpo que consegue carregar outros corpos, seios que amamentam e que jorram leite e paciência para ler tantas bobagens reunidas em um único texto. Mas se algum dia, ela não quiser estar bonita, pelo seu conceito esdrúxulo de beleza, e andar displicentemente, com cabelos ao vento, sem nenhuma maquiagem no rosto e com uma roupa surrada, sinto muito, é opção dela, E ela será bonita ainda assim.
Se é óbvio para esta categoria infame de homens a que você pertence que uma mulher bonita deve vestir preto e usar brinco de argolas (porque segundo o professor, o preto emagrece e a argola deixa sexy), meu Deus, como você é pequeno, limitado, insignificante e mesquinho. E, sim, concordo com você que toda mulher precisa saber conversar. Entendo eu que todos os seres humanos precisam saber conversar. Agora, aconselhar carregar um livro na bolsa para "melhorar o papo" é de uma pobreza simplória. Apenas os ignorantes se utilizam deste artifício.
Sobre ter qualidade emocional, fique tranquilo. Todas nós mulheres temos equilíbrio porque, talvez você não saiba, mas temos tripla jornada ou mais e não podemos nos dar ao luxo de jogar tudo para o alto e fugir. Ataques de pelanca nem pensar. As fases a que você neste seu mundinho idiota e infeliz faz referência devem ser os dias em que as mulheres estão menstruadas. Mas você jamais saberá o que é isto, ter cólicas, sangrar desesperadamente uma vez por mês. E estes fatores: equilíbrio emocional, sangramentos, TPMs, com certeza, nos tornam grandes, poderosas e empoderadas.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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