Mexeu com uma, mexeu com todas

Estamos na metade de abril de 2017 e somos hoje o 5º país do mundo com mais mortes violentas de mulheres, num ranking com …

Estamos na metade de abril de 2017 e somos hoje o 5º país do mundo com mais mortes violentas de mulheres, num ranking com 84 países. Mas não é só isto. O Brasil ocupa a 85ª posição entre 145 países em desigualdade de gênero e a violência continua a crescer. Deitadas em berço esplêndido, mais de 4,7 mil mulheres são mortas por ano, vítimas de feminicídio. Destas, conforme informa um folder da Bancada estadual do PT na Assembleia Legislativa, 66,7% são meninas e mulheres negras. No Brasil, a cada hora e meia, uma mulher é assassinada vítima de feminicídio. A cada três horas, uma mulher é vítima de estupro.
Por isso, não é possível ignorar três recentes casos de repercussão de violência contra as mulheres. Todos com viés midiático. Refiro-me à denúncia de uma figurinista da Rede Globo de que foi assediada sexualmente pelo ator José Mayer, enquanto trabalhavam na novela Lei do Amor. À denúncia de agressão tornada púbica por Poliana Chaves, mulher do cantor Victor, que integra com seu irmão a dupla sertaneja Victor & Léo. E, nesta semana, à expulsão do gaúcho Marcos Harter, do BBB17, reality show exibido pela Rede Globo, após a Delegacia Especial da Mulher de Jacarepaguá (Rio de Janeiro) instaurar inquérito para apurar cenas de violência doméstica do participante praticadas contra uma mulher, sua namorada no programa.
Em relação à violência no BBB, passada em rede nacional, muitos seguidores meus no face book comentaram o absurdo de postar algo sobre um programa deste nível da Rede Globo e chegaram até a sugerir que tudo poderia tratar-se de golpe da emissora para aumentar a audiência. Pois eu lhes respondi, como reforço aqui. Não me importa se o programa é uma porcaria, de péssima qualidade, se é da Rede Globo e se a namorada que sofreu a violência, encurralada pelo gaúcho Marcos em vários momentos, é uma chata e mimada. Mais do que nunca, precisamos exigir respeito. Em todos os setores. Em todos os locais. Em todas as situações. Sejam elas públicas ou privadas. Sejam de ficção ou realidade. O que importa é #NemUmDireitoAMenos.
Precisamos ajudar a romper com os ranços ainda existentes de uma sociedade machista que sempre tratou a mulher como frágil e dependente. Precisamos sim de audiência para dizer que não é normal uma mulher ser encurralada num canto e um homem enfiar-lhe o dedo na cara. Precisamos sim de audiência, e por isso, vamos aproveitá-la para mostrar que a cultura do machismo está tão enraizada que muitas vezes as situações de opressão vividas no dia a dia, no trabalho, nos relacionamentos, passam despercebidas. Precisamos, ainda que estejamos em 2017, explicar didaticamente, e principalmente em rede nacional, que quando uma mulher diz não, ela está dizendo não.
Sabem por quê? No Brasil, a cada sete segundos uma mulher é agredida. Nos seus lares, não em rede nacional. Pois, 51% da população brasileira declararam conhecer ao menos uma mulher que é ou foi agredida pelo seu companheiro. E a violência doméstica (a que parece ter ocorrido com a mulher do cantor Victor) é a principal causa de morte entre mulheres de 16 a 44 anos. Como o gaúcho Marcos, do BBB17, 56% dos homens admitem que já cometeram algumas destas formas de agressão: xingou, empurrou, agrediu com palavras, deu tapa, soco, impediu de sair de casa, obrigou a fazer sexo. Assim como a figurinista assediada pelo ator global, 77% das mulheres que relatam viver em situação de violência sofrem agressões semanal ou diariamente (ela relatou que estava sendo importunada por José Mayer desde o início das gravações da novela).
É preciso, urgente, colocar um ponto final na violência contra mulheres e meninas. É preciso compreender que toda discriminação é uma forma de violência e toda violência de gênero é uma discriminação. E, principalmente, que toda e qualquer violência contra mulheres, em qualquer idade e situação, deve ser denunciada. Devemos insistir com as pessoas que a única ideia radical do feminismo é entender que as mulheres são gente, que o feminismo nunca matou ninguém, mas o machismo mata todos os dias. Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres. Mexeu com uma, mexeu com todas.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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