Seis anos de saudades intensas

Saudade acaba? Saudade diminui? Saudade encolhe com o tempo? Saudade tem fim? Não. Com certeza, não, posso assegurar. Saudade é uma dor indescritível, insuportável, …

Saudade acaba? Saudade diminui? Saudade encolhe com o tempo? Saudade tem fim? Não. Com certeza, não, posso assegurar. Saudade é uma dor indescritível, insuportável, desmesurada e que não tem hora para chegar e menos ainda para partir. É um sentimento que se instala no cotidiano da gente e que bagunça e tira do lugar todas as nossas estruturas. Uma vez acomodada, não tem a mínima vontade de ir embora.  E a dor da saudade de quem se foi, levando junto um pedaço da tua vida, parte do teu coração, recortes da tua infância, retratos da tua felicidade, capítulos da tua adolescência, lembranças dos teus aniversários, informações das doenças de criança, só aumenta.
A minha mãe Mirthô me deixou há exatos seis anos (ela faleceu em 4 de julho de 2011, no dia mais frio de toda a minha vida, às 16h25min, lá em Butiá, cidade que escolheu para viver os dias finais de sua existência) e em cada minuto a saudade me apunhala, me machuca mais, me destroça e me torna mais e mais órfã de carinho materno. Há exatos seis anos, eu convivo com esta saudade insuportável de sua voz, dos conselhos, dos telefonemas, do seu cafuné nos meus cabelos, dos seus xingões quando algum filho fazia algo errado, dos convites para tomar café no shopping nos sábados à tarde, das suas aventuras pela cozinha para produzir as maravilhosas guloseimas que só ela sabia fazer, como o pudim de leite condensado, a torta de bolachas, as trufas ou os insuperáveis bolinhos de bacalhau.
Mamis partiu, naquela tarde de arrepiar de frio de julho, depois de brigar muito com sua saúde para continuar vivendo. Deixou uma saudade assombrosa nos seus filhos e filhas, nora, netos e netas, bisneto e bisneta. Ela deixou em mim uma saudade que se hospedou no meu cotidiano e não falta nem em feriados. Deixou em mim a sensação de que devemos, sempre aproveitar, ao máximo, cada minuto ao lado de quem amamos. Deixou em mim o desejo de comer aquelas trufas maravilhosas que ela fazia enquanto ainda não estava totalmente combalida pela doença. Deixou em mim sentimentos que me ensinou com amor: buscar sempre a verdade, viver com dignidade, manter sempre a humildade e respeitar as diferenças.
Mamãe poderosa levou consigo um pouco da minha vontade de acordar todo o dia. Levou consigo um jeito até irresponsável que eu tinha de sorrir por nada. Levou consigo páginas do meu passado e plantou, em mim, um medo insuportável de viver o futuro. Levou consigo uma certa apatia de enfrentar o presente. Mamãe poderosa levou as minhas gargalhadas de domingo à tarde e parte do meu repertório de piadas idiotas que eu sempre dizia quando a família se reunia nas festas de final de ano.
Parece mentira, mas mesmo após seis anos da sua partida, ainda penso que ela vai telefonar uns minutos antes da novela das 21h, que ela nunca perdia, para saber como havia sido o meu dia, o trabalho, como estava a neta Gabriela e lembrar que eu deveria ir para Butiá no final de semana. Ainda hoje penso que ela vai planejar algum almoço com a família, que vai contar de alguma travessura dos netos e netas ou do bisneto ou bisneta, que vai insistir para que seus filhos estejam agasalhados e lembrar da hora do remédio de seus rebentos, todos bem crescidos. Parece mentira, mas ainda hoje penso na mãe cuidando dos detalhes dos encontros dos Natais, convidando para um chá às 17h, prometendo que faria trufas deliciosas se a gente aparecesse no final de semana e guardando num potinho na geladeira só o recheio de chocolate puro para a neta Gabriela.
Desde a sua partida, vivo respaldada por uma saudade intensa e pulsante. Que some por raros segundos. E mostra-se muito intensa. Porque ainda hoje penso que ela vai me convidar para um café no Press do Moinhos Shopping ou do Praia de Belas. Porque ainda hoje penso que ela vai me aconselhar e me orientar quando eu comentar qualquer encrenca da minha vida. Porque ainda hoje penso que ela vai me abraçar, me acarinhar e me envolver com aquele amor enorme de mãe e me emprestar seu coração, se eu precisar (e muitas vezes eu precisei). Mamis Mirthô, porque ainda hoje, seis anos depois, a saudade não diminui, apenas se acomoda melhor em algum lugar escondido para reaparecer em segundos.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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