A arca de sonhos possíveis

Com a fantasia emprestada do Coelho Branco, aquele que começa a aventura em Alice no País das Maravilhas, obra clássica da literatura inglesa de …

Com a fantasia emprestada do Coelho Branco, aquele que começa a aventura em Alice no País das Maravilhas, obra clássica da literatura inglesa de Lewis Carroll, consulto o relógio do computador e percebo que estou atrasada. Preciso correr para entregar a coluna antes da implosão digital do Coletiva.net. Sim, o tempo é meu inimigo. Tenho muita pressa. Este site será destruído em breve e renasce, na segunda-feira, 15 de junho, em formato repaginado. Apesar de informada de que haverá a migração de dados para o novo portal, não quero correr mais riscos. E uso toda velocidade do Coelho Branco.
Antes de entregar a coluna atual, criarei uma grande arca (ops), digo arquivo, e com a ajuda de Noé, salvarei novamente no meu computador todas as contribuições anteriores. É uma grande família, e assim como Noé, na minha memória abrigarei tantas desventuras que relatei para vocês, meus leitores, às vezes, totais desconhecidos. Prometo não deletar as colunas em que emocionada e coruja narrei as peripécias da minha filha, hoje adolescente, Gabriela Martins Trezzi. Neste período em que divido este espaço internético com vocês, as minhas atitudes como mãe sempre foram meu assunto principal.
Não vou enfatizar meu amor maternal na coluna de implosão porque, como o Coelho Branco, tenho muita pressa. E amor de verdade sobrevive às mudanças de temperatura, ou melhor, às inovações tecnológicas. O relógio, no canto inferior direito do computador, aponta a urgência da vida. O relógio biológico também sinaliza uma pequena ruga que se formou, com a mesma rapidez de uma implosão, no canto do olho. Não é sinal de velhice. É acúmulo de quem soma mais experiência toda vez que comemora aniversário. E tem pressa, porque, mesmo com pouco tempo racional, precisa fazer e dizer muito.
Adepta da tese de que as coisas acontecem na hora determinada para transformar as nossas vidas, tenho que citar dois nomes que me remetem sempre ao meu começo aqui no Coletiva.net. E que coincidentemente se cruzam, hoje, na etapa da implosão. A amiga de tantas e tantas confidências na redação de Zero Hora, Susana Vernieri e o competente editor Vieira. Foi na fila de autógrafos do lançamento do livro de poesias, Memorabilia, da Su, que o Vieira perguntou se eu não queria passar a contribuir com uma coluna semana no site. Uau, deixaria de escrever artigos esporádicos e seria fixa, com direito a foto.
Na semana passada, depois de dizer em alguma coluna que esperava um PAITROCINADOR para publicar um livro, chega às minhas mãos, através do Coletiva, um envelope da Libretos, com portfólio e o novo livro de contos da Su. Depois de olhar calmamente o portfólio da empresa da Clô e do Rafinha, fui para a contracapa do livro, mania que não consigo abandonar. Lá, no final, "As grades do céu" revelam que Susana pertence ao mundo, mas não concorda. E, numa fúria daqueles que têm pressa inexplicável, consumi o livro em tempo recorde. Enquanto ainda pertencemos a este mundo, mesmo sem concordar.
Sem saber da implosão digital (bah, mas deixa de falar nisso!), havia separado um trecho do livro que me tocou e doeu demais e pretendia dividi-lo, na próxima coluna com vocês. Fala do unicórnio, ser mitológico admirador da pureza e da inocência.
"Quando o unicórnio que dormia comigo apresentou-se e eu pedi: eu quero um unicórnio para viver comigo em dias de sol", conta Su. Minutos antes de receber o aviso do Vieira de que poderia encaminhar a coluna até o início da tarde, escreveria algo sobre sonhos impossíveis, perfeitamente descritos no capítulo "O Unicórnio".
Reunindo os pedaços do meu início no Coletiva.net, a inerente implosão e repaginação do site, cicatrizes das explosões que me atingiram na vida, a magia do presente que vive comigo há 15 anos chamado Gabriela Martins Trezzi, os carinhos dos amigos que se lembraram do aniversário e a presença da literatura da Susana em momentos tão especiais da minha vida, resolvi dizer que hoje, mais velha, só acalanto sonhos possíveis. E que, por isso, enxergo unicórnios em todos os cantos. É que Susana lembra que "unicórnios não realizam sonhos impossíveis".

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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