A Escala Richter de cada dia

Terremotos não são exclusividade da geologia. A crosta social do planeta também está sujeita a abalos, que produzem desde fissuras até gigantescas rachaduras na …

Terremotos não são exclusividade da geologia. A crosta social do planeta também está sujeita a abalos, que produzem desde fissuras até gigantescas rachaduras na realidade de uma região humana. São os efeitos da incomodação das placas antagônicas que sustentam os sistemas sobre os quais foram erguidas as sociedades. Para registrar esses eventos assustadores, em vez de sismógrafo é melhor usar um cismógrafo. Nas últimas semanas, os mais sentidos em áreas já instáveis por natureza foram os seguintes:



Na Justiça - A partir da condenação da empresária proprietária da Daslu, um tremor intenso sacudiu a esfera jurídica paulista. Foi choque de grande magnitude entre promotoria e defesa, que deslocaram imensos blocos de argumentos legais, os quais pulverizaram a noção de justiça no país. Resultado: em decorrência de uma infiltração de hábeas corpus, uma sentença de 94 anos desabou e a cadeia ficou arrasada, embora sem ninguém dentro. Tudo por causa das falhas e fendas nas leis que regem os crimes de sonegação. Desde então o Código Penal ainda está sob os escombros, à espera de resgate.



Na Administração Pública - No dia do jogo das seleções do Brasil e do Peru, houve um violento tremor em território governamental, com epicentro no Palácio Piratini. Sua força se propagou em direção à zona sul e desestruturou a programação da noite festiva no Estádio Beira-Rio. Por conta das poderosas ondas arbitrárias, que pressionaram a zona da Federação Gaúcha de Futebol, faltou chão para a primeira-dama Isabela Fogaça cantar Porto Alegre é Demais. O violento impacto fez ruir algumas reputações, embora não tenha havido ressonância nos dias posteriores. No Alto da Bronze, porém, a instabilidade continua.



Na Saúde Pública - Em Viamão, como em tantas localidades assentadas sobre faixas sem a sedimentação dos recursos federais, houve um balanço que fez ruir a fachada do SUS, o Sistema de Filas Únicas. Na verdade, em vez de um forte movimento causar o desmoronamento da imagem dos serviços de atendimento médico à população, foi o contrário: desta vez os equipamentos registraram uma grave perturbação por inércia. Milagrosamente, centenas de pessoas escaparam com vida, algumas com sintomas estranhos, como a esperança de ser atendidas em 125 anos. Para surpresa geral, os postos de saúde permaneceram intactos entre as ruínas do descaso.



Houve outros sinais inquietantes, entre 6,7 e 8,2 graus na escala de decepção com as autoridades. Primeiro, o agonizante estágio do Rio Gravataí, que repousa sobre um leito impermeável às atenções dos órgãos fiscalizadores. Depois, vários choques físicos em escolas, que trepidam diariamente por estarem mal-alicerçadas em terrenos deseducativos. Teme-se pelo pior: que os governantes nunca se abalem.























A Sra. Massa Polar, que pretendia visitar o RS por esses dias, desfez as malas, por motivo de luto: três meninos da família Iceberg, durante um programa em turma, desapareceram nas novas águas termais da geleira. /// Vários termômetros deram entrada ontem no HPS, em estado febril, dois deles com os miolos estourados. /// Alguns Freezers de confiança, que trabalham para grandes sorveterias nacionais, foram parar na delegacia por devorar sorvetes durante o expediente, alegando necessidade de se refrescar. /// Dúzias de Cervejas estupidamente geladas, encarregadas de conter os ânimos da população, não conseguiram evitar a estupidez de um grupo de bebuns assoliados. /// Uma gangue de Ar-Condicionado atacou, na madrugada de terça, um casal de Split e arrancou à força 30.000 BTUs, sendo 18.000 dele e 12.000 dela, que desmaiaram por falta de energia. /// Outro caso envolvendo um aparelho Ar-Condicionado fala de comportamento afetado pelas altas temperaturas, fazendo barulho em excesso e fora de hora. "Ele parecia afrescalhado", disse uma testemunha. /// Algumas sombras de pequenas árvores da Redenção assustaram pessoas quando se afastaram do seu lugar e procuraram abrigo sob árvores maiores e mais frondosas. /// O Sr. Verão e o Dr. Outono tiveram uma briga nesta semana, quando este acusou àquele de invadir sua época. Aos PMs que atenderam à ocorrência, o Sr. Verão disse apenas que tinha voltado para apanhar uns dias da sua estação, que ficaram para trás. /// Outras notícias a qualquer momento inclemente.























Às vezes a vida imita a arte, noutras tantas é o inverso. Quase sempre a vida se repete, de tanto em tanto algum artista baixa noutro, sem falar nos copiadores de ocasião e plagiadores de plantão. Puizé. Não foi nada disso que ocorreu na coluna anterior mas algo houve. O seguinte: publiquei aqui o texto Monólogos Urbanos na sexta, 3/4, e no domingo, 5/4, o meu amigo Bráulio Tavares, escritor e músico, reproduziu uma crônica dele, O negão do ônibus, no seu blog Mundo Fantasmo, originalmente publicado em 1/4/2006 no Jornal da Paraíba, onde é colunista. Puizé. Vão lá nos dois textos e confiram como a vida e a arte se mixam num déjà vu já visto. Uma assombrosa sincronicidade - às avessas, defasada ou retroativa, lá sei eu - surgiu e? E daí? Bom, espanto bom é espanto compartilhado.






Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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