A falha criativa

Vivemos um mundo voltado à perfeição. Com os avanços da tecnologia, conseguimos incontáveis progressos. Exemplo: dos bancos de dados de uma empresa são eliminados …

Vivemos um mundo voltado à perfeição. Com os avanços da tecnologia, conseguimos incontáveis progressos. Exemplo: dos bancos de dados de uma empresa são eliminados nomes em duplicidade, complementados dados (endereço, nome, etc). Nossas ligações telefônicas podem ser rastreadas com exatidão. Além disto, o Word em que escrevo agora me permite voltar, apagar, mudar a fonte, de tal forma que você leia um texto "sem erros". As máquinas fotográficas digitais nos permitem deletar sem dó nem piedade fotos "ruins". Rumamos para a perfeição, o que é ótimo ou péssimo.
A falha é essencial ao processo criativo. De muitas falhas resulta uma grande sacada. E não falo exclusivamente do processo criativo artístico, mas também científico. Muitas foram as descobertas feitas ou em cima de falhas ou contando com a ajuda do acaso. Assim foi, segundo narram, quando Isaac Newton descobriu a lei da gravidade. Uma maçã caiu da árvore diretamente na sua cabeça.
Assim, esta nossa sede de eliminar todos os ácaros, lavar as mãos 23 vezes por dia, eliminar todas as falhas, também pode deixar uma herança ruim. Claro que não estou defendendo a volta ao passado. Dentro do processo produtivo, a eliminação de falhas não só é recomendável como essencial. Através da eliminação de falhas, houve significativo aumento de produtividade. O que defendo é que deixemos de lado um pouco este desejo incontrolável de eliminar todas as falhas em algumas áreas da nossa vida.
Quando criança, eu via e desejava ser como os caubóis americanos: homens firmes, frios, de uma só palavra e tiro. Infalíveis. Cresci e vi que nada na vida é assim. Lamento, inclusive, que estes filmes ainda sejam veiculados e propaguem a idéia de homens infalíveis. Isto cria na cabeça das crianças e depois dos adultos uma idéia de que a infalibilidade é natural ao ser humano, quando é exatamente o contrário.
O resultado disto pode ser visto no Japão, por exemplo. Li que há filhos de japoneses que vivem dentro de seus quartos, isolados. Só saem para ir a alguma loja de conveniência, na madrugada. Têm pouquíssimo contato com seus pais e familiares e com a sociedade. Se comunicam através da Internet. Por que vivem assim? Porque não se ajustaram ao modus vivendi japonês de altíssima competitividade e padrões rigorosíssimos preestabelecidos. Como se sabe, os japoneses são bem mais rigorosos do que nós, brasileiros. Então os pais, por sentirem vergonha de filhos "desajustados", os sustentam e são coniventes com este modo de vida isolado e, certamente, depressivo de seus filhos. Uma herança da cultura do super-herói, do caubói, do infalível(e não somente norte-americana).
As falhas são inerentes à condição humana. Mesmo o maior super-herói de todos, o Super-Homem, caía frente à criptonita. O que está faltando é cada um identificar e assumir as criptonitas de suas vidas. Todos nós as temos. Mas no que tange à criatividade, a falha é essencial. Senão, possivelmente a arte seria feita somente de quadrados e círculos perfeitos, triângulos isósceles, uma chatice(para a arte). Seriam usadas as cores do arco-íris e pronto. Falhar, além de permitir ao autor enxergar algo que não veria, que não era previsto(um imprevisto sempre faz com que lancemos mão de algo novo para enfrentá-lo), enxergar sob outro ponto de vista. Uma falha abre um novo ponto de vista e, dele, podem surgir grandes observações e descobertas. Nas falhas estão muitas vezes escondidas grandes virtudes.
[email protected]

Comentários