A intensidade e o Papa

Foi o meu (muito saudoso) pai quem me ensinou que a vida devia ser vivida intensamente. Nas suas alegrias, nos pequenos prazeres e, claro, …

Foi o meu (muito saudoso) pai quem me ensinou que a vida devia ser vivida intensamente. Nas suas alegrias, nos pequenos prazeres e, claro, nas tristezas também. Porque aquele que vive a vida intensamente não tem escolha. Se forem muitas as alegrias, tanto melhor. Mas as tristezas, que sempre aparecem, também serão intensas.
O "intenso" não deixa de ser alguém com a sensibilidade mais aguçada. Enxerga a vida com um gradiente de cores muito maior. Ouve mais sons. Ri e chora mais. Ele tem os poros (sejam eles da pele, do coração ou do cérebro) mais abertos. Dizem que utilizamos somente um pequeno percentual de nossa capacidade cerebral. Pois o intenso procura inverter esta lógica, não vivendo uma vida mediana, morna. Suga a vida com ardor, como se esta pudesse ser bebida, degustada, tal como um saboroso vinho.
Bom, então ele é um chato? Não necessariamente. Pode até ser, mas o fato de ser intenso não significa se transformar em um chato. O chato é enfático em coisas desimportantes e detalhes. Além disto - e principalmente - o chato se volta para o pobre interlocutor, ao passo que o intenso não. Ele se volta para si. O limite entre chatice e intensidade é mesmo muito tênue. Mas bem demarcado.
Viver a vida com intensidade é uma dádiva para poucos. Retirar da vida tudo o que ela pode oferecer, isto não é nada fácil. Muito se fala sobre isto, mas cada vez mais as pessoas vivem superficialmente. Diz-se que as pessoas estão querendo se aprofundar. Não acho. Acho que elas estão querendo é se perturbar. O mundo de multimídia, multitrabalho, multitarefa, nos impele a um comportamento perturbado. Acessos e estímulos demais, o cérebro pira. Aí, as pessoas querem experimentar de tudo. Mas não para viver a experiência, e sim para continuar(sem se dar conta, claro) a perturbação.
E aí que entra o Papa. Os milhares e milhares de pessoas que foram até o Vaticano ver o Papa. Um fenômeno, ainda mais em tempos de novas crenças e igrejas. E o que as leva a se deslocarem para ver o rosto do Papa morto? A perturbação. Neste mundo de desconcertante desestabilização, quando se perdem os referenciais, as pessoas os buscam desesperadamente. E o que é a Igreja Católica e o Papa, se não referenciais sólidos num mundo desagregado? Não quero com isto desmerecer a atuação de João Paulo II. Confesso que pouco acompanhei e pouco vi de sua atuação. Mas, como se sabe, a morte é uma grande redentora.
A Igreja Católica é um porto seguro. Suas posições (retrógradas, do meu ponto de vista), sua liturgia, tudo nela remete à idéia de que há coisas no mundo que nunca mudam. Graças a Deus, diga-se de passagem. Ali (na Igreja Católica) as pessoas encontram uma suposta segurança e estabilidade. Encontram-se. Assim, este movimento de milhares de pessoas, em que pese seja a manifestação de fé e carinho, soa para mim também como a peregrinação dos perdidos.
Já sei, vão me enviar vários emails xingando (como na outra vez que falei da Igreja Católica), dizendo que eu não entendo nada da fé cristã, que estou criticando o Papa e desfazendo da fé que mobilizou estas milhares de pessoas. Até para poupar o trabalho destes, quero dizer que: 1) Não estou criticando o trabalho do Papa, tampouco desfazendo da fé dos peregrinos. Estou tentando ver este fenômeno (da imensa mobilização popular) sob outro ângulo. E esta é uma das vantagens de se viver a vida intensamente, como eu disse no começo; e 2) Esta é uma coluna assinada, na qual emito opinião pessoal. Aliás, pessoalíssima. Assim, me sinto no direito de externá-la, seja ela aceita ou não pelas pessoas.
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