A placa mexicana de Ricardo Piglia

Entre as muitas torturas inventadas para meter medo com o inferno, não está a tradução de poesia, mas poderia, não? Um trabalho infinito e …

Entre as muitas torturas inventadas para meter medo com o inferno, não está a tradução de poesia, mas poderia, não? Um trabalho infinito e inútil, como o representado pelo mito de Sísifo. Ou não, porque Sísifo consegue levar a pedra até o topo da montanha. O fato de ela rolar e ele ter de recomeçar é secundário. O tradutor de poesia nunca tira a pedra do lugar. Na maioria das vezes nem mexe com ela.

Traduzir prosa, embora não seja nenhum mamão com açúcar, está dentro do possível. Às vezes até pode melhorar o texto. Mas o que me dizem de traduzir coisas mais prosaicas, como uma placa dessas de beira de estrada? Sérgio Rodrigues conta, no Todoprosa, um exemplo que Ricardo Piglia viu no México.

A placa dizia: "Está prohibido a los materialistas estacionar en lo absoluto". É ou não é uma linda tirada filosófica?

Infelizmente, se o tradutor não se deixar deslumbrar, ou não traduzir no piloto automático, como acontece muito, ele vai descobrir que os materialistas do caso são os caminhoneiros que transportam cargas pesadas. Mas e o "en lo absoluto"? Isso, literalmente, é "no absoluto". Acontece no México o que acontece por aqui, muitas placas são escritas por gente mal alfabetizada. Deveria ser em absoluto, como em português. Enfim, os caminhoneiros estão absolutamente proibidos de estacionar.

Aspas para Bráulio Tavares

"John Barth é um desses escritores doidos para dizer algo de novo e constatando, com uma espécie de euforia horrorizada, que tudo já foi dito. Num artigo no 'The Atlantic' (http://bit.ly/r2sswu), ele cita um texto egípcio de 2.000 a. C., em que o escriba Khakheperresenb comenta, com nostalgia: 'Ah, se eu tivesse frases que não fossem conhecidas, numa linguagem nova que jamais foi usada, sem uma só frase que tivesse perdido o viço e que já tivesse sido dita pelos homens de antigamente!'.

"Barth, um deus-pequenino do Pós-Modernismo, é um desses escritores que, vendo a impossibilidade de contar uma história que ainda não foi contada, mexem o tempo inteiro no software da contação de histórias. Como a maioria dos escritores oriundos do meio acadêmico, ele dá a impressão de que leu 50 romances e 500 livros sobre Teoria do Romance. Ou, como disse certa vez uma amiga minha:

"- Ler um romance escrito por um professor de Literatura é como fazer sexo com um ginecologista."

Spams

Como todo mundo, já recebi propostas pra aumentar o tamanho do pênis, pra driblar a impotência, pra resolver minha calvície sem uso de peruca, pra emagrecer quinze quilos em horas, pra ganhar vários centímetros de altura e um monte de dinheiro sem fazer força. Hoje alguém me escreve prometendo acabar com meu ronco. Maldotado, impotente, careca, gordo, baixinho, pobre e roncador - só falta mesmo piorreia e espinhela caída.

Crítica

Se criticar fosse fácil, como dizem, os jornais não estariam cheios de resenhistas medíocres.

Cantinho da poesia

Esses dias o festejado poeta Luiz Coronel topou com uma linda rima para borboleta: opereta. Acho que ele abriu um novo filão. Logo que puder vou plagiá-lo, rimando borboleta com perneta ou bebê de proveta - isso sem falarmos nas possibilidades eróticas, porque da borboleta pra bragueta ou pra chupeta ou pra intimidade da Julieta estamos a poucos e ardentes versos.

Wanessa e Rafinha

Deu no jornal: "Feto de Wanessa Camargo é autor de processo contra Rafinha". A piada desse tal de Rafinha é um primor de grossura e de falta de graça, ao contrário desse processo, uma das coisas mais engraçadas que já vi e com aquela sofisticação complicada do humor patético. Injúria, dizem os advogados sobre um modo de gritar: gostosa! O Brasil, seguindo os passos dos Estados Unidos, vai se tornar um antro de advogados. Sugiro então que todas as grávidas desse país convoquem seus fetos para processar o maior número possível de políticos que estão deixando essa droga de país de herança pra eles.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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