Bugigangas

O maior de todos os inimigos figadais é o hepatologista incompetente. Sabe como se desfaz aquela eterna dúvida do copo meio cheio ou meio …


















O maior de todos os inimigos figadais é o hepatologista incompetente.

Sabe como se desfaz aquela eterna dúvida do copo meio cheio ou meio vazio? Desnivelando o nível: basta um gole a mais e a metade deixa de ser metade, n?o é?


Grilos n?o têm grilos. Por isso continuam cricris.


Estradas vicinais s?o perfeitas pra vizinhos, embora n?o aproxime a todos.


Quando um angustiado morre, suas úlceras s?o enterradas vivas.


Brinquedos saem de moda. Brinquedos n?o saem da memória.


Aos 20 anos, tinha pela frente um futuro que se descortinava belamente. Aos 60, se aposentou como vendedor de persianas.


T?o puxa-saco que pegou doença venérea nas m?os.


O cigarro morre duas vezes. Quando o tabaco vira fumo e quando o cigarro vira cinzas.


Um animal de estimaç?o é um bicho que estima o dono.


N?o sabemos se de fato as estrelas ainda est?o onde brilham.
Mas que o reflexo nas pupilas é bonito, é.


Enquanto as orquídeas n?o reclamarem, n?o tema o efeito estufa.


Certos problemas s?o incontornáveis. Um incêndio num carrossel em alta velocidade, por exemplo.


Colo. Se você é dependente, qualquer um serve; se é carente, nenhum basta.


A digitadora é uma datilógrafa que se divorciou do carbono.


Já repararam que qualquer animal atropelado no asfalto é sempre de uma espécie irreconhecível?


Era um galanteador à moda antiga. Acreditava ser acreditado.


A sociedade perfeita, que sabe prevenir suas mazelas sociais, logo toma a providência mais saneadora: pára de construir prédios com marquises.


Cap?o no campo é uma ilha verde cercada de agronegócios por todos os lados.


Cobrar impostos de livrarias é t?o daninho pra cultura quanto isentar a ignorância de taxas.


Fatalismo é isso: de cada doze signos do horóscopo, um é o seu.


FRAGA - DESAUTOBIOGRAFIA DESMOTORIZADA


Em vista das quase 3 consultas sobre este humorista - quem pensa que é, de onde acha que veio, para onde imagina que vai - resolvi antecipar algumas notas de rodapé da futura autobiografia que nunca escreverei.


N?o nasci nos Estados Unidos e lá n?o fiquei até os doze anos, quando ent?o n?o fui para a Europa. Da infância à mocidade, n?o estudei numa série de melhores escolas, desde as americanas até as inglesas. Minha falta de formaç?o exclui, inclusive, os mais caros e afamados internatos suíços nos anos 60.


A partir da vida adulta, deixei de apreender artes e filosofia, me esmerando sobretudo no desconhecimento de ciências exatas.


Com um estofo desses, acabei por alcançar um nível de despreparo que me alçou ao topo da pirâmide intelectual brasileira. Lugar incômodo para um cérebro desprivilegiado, mais ainda para um traseiro desprevenido. Logo me afastei desta posiç?o para um posto ao largo da fogueira das vaidades: fui para o aparador da lareira das bobagens. Onde hoje, você vê, ainda me aqueço.


Como pessoa, n?o me defino comumente. Ouço com os olhos, falo pelos cotovelos, vejo longe com os pés e enxergo perto com as m?os. Meto o nariz onde n?o é aclamado e tateio pondo a língua pra fora. Com tamanhas habilidades, sou inábil quando quero e com quem n?o tolero, sendo imprevisível com quem espera outra coisa de mim. Qualidades, às vezes possuo. Defeitos, me possuem de vez em quando. Com quem sabe diferenciar um indivíduo de um individualista, sou um deles; com quem n?o sabe, sou ambos. E assim vou indo, na contram?o, na contracultura, na contracorrente. E venho vindo, com o que a natureza me deu e com o que arranquei dela, com exceç?o da clorofila, pois prefiro menta.


Adoro prazeres e o maior deles é n?o parar de respirar. Outros s?o inomináveis e outros têm nomes de mulher. Escrever virou hábito mas n?o me habituo com a falta dos leitores habituais. Levo muita coisa na esportiva, sem ser nada esportista; aliás, todos os meus esportes favoritos dependem de poltrona: ler, pensar, conversar, namorar, jogar, cinema, teatro, shows, música. De resto, n?o sou conservador nem vanguardista - ser liberal é tudo que sei que se deve ser. E queria ser algum artista, se a transcendência algum dia me adotasse ou mesmo se me quisesse bem por algumas horas.


B?o, o perfil n?o-perfilado pára aqui, embora o autor continue por aí. Rodeado de caros amigos em amizades que nada custam. Na companhia de raras figuras que me ensinam o principal - a alegria de viver e a simplicidade - e ao lado de gente que aprendem comigo o supérfluo - o humor nos tempos da cólera. À direita do centro das atenç?es de 3 filhos e de 3 netos, e à esquerda do núcleo de algumas famílias que me aceitam como se eu fosse da família. Em meio a arredores gentis, praças humanizadas, logradouros alegradouros, e outras ilus?es de ótica.


Assim sou. Felizardo como é permitido ser entre extremos, entre o orgulho de ser único e a humildade de ser igual a qualquer um. Ou vice-versa, sei lá.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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