Comédia de costumes

Um rapaz me perguntou, no bar: "Onde consigo uma mulher sem tatuagem? E, se não for pedir demais, uma sogra que não seja espírita?". Pensei que estivesse me gozando. Mas o olhar dele, fixo atrás das lágrimas, era de quem esperava que eu puxasse uma caderneta de endereços.

Me lembrei daquela historinha zen contada pelo Salinger. Um rei disse ao especialista em cavalos: você está muito velho, arrume outro, um de seus filhos. O especialista disse que os filhos não entendiam de cavalos e recomendou um amigo, que era quase tão bom quanto ele. O rei então mandou o novo especialista arrumar o melhor cavalo do reino. Dias depois, o sujeito disse que havia encontrado. Quando o rei quis saber como era o bicho, ele disse que era assim, assim, uma égua baia, parece que não muito nova. O rei ficou todo desconfiado. Aí, quando chegou o melhor cavalo do reino, se viu que era um garanhão negro, um animal magnífico, nada de uma égua baia meio velha. O rei contou a história pro antigo especialista. Ele se admirou: "Puxa, meu amigo me superou. Viu como é bom? Ele presta tanta atenção à essência do cavalo que nem se liga nos detalhes".

Mas me calei. Mulheres e cavalos já foram a perdição de muita gente boa.

Folclore

O cara que se tornou folclórico tem a vantagem de poder dizer o que bem quiser impunemente. A desvantagem é que ninguém o leva sério. É meio como a síndrome de Cassandra.

Citações ou ai, que preguiça

oOo Homer Simpson, assistindo a uma chuva de meteoros: "Eu gostaria que Deus fosse vivo para ver isso".

oOo Jorge Luis Borges: "Eu tinha entendido que havia apenas boa e má literatura. Isso de literatura comprometida pra mim soa a mesma coisa que equitação protestante".

oOo Perguntaram a Roberto Bolaño se tinha mais amigos que inimigos. Respondeu que tinha amigos e inimigos em número suficiente, todos gratuitos.

oOo Roberto Bolaño: "Os que têm o poder, mesmo que seja por pouco tempo, não sabem nada de literatura, só lhes interessa o poder. E eu posso ser o palhaço dos meus leitores, se me dá na veneta, mas nunca dos poderosos. Soa meio melodramático. Soa à declaração de puta honrada. Mas, enfim, é assim".

oOo Roberto Bolaño, ainda: "Não dou muita importância aos meus livros. Estou muito mais interessado nos livros dos outros".

oOo Marçal Aquino: "Costumo brincar dizendo que, no Juízo Final, gostaria de estar na fila dos escritores. Escrevo roteiros e vários outros tipos de texto, inclusive jornalísticos, sempre com grande prazer, mas literatura é a minha casa. Literatura é a coisa pela qual espero ter de responder, no fim".

oOo Índigo: "Melhor que um editor gostar de um texto é quando um leitor gosta, melhor que quando um leitor gosta é quando nós mesmos gostamos, melhor que quando nós mesmos gostamos é quando gostamos de um texto que nem lembrávamos que tínhamos escrito. Mas daí bate o medo de não ser capaz de escrever aquilo de novo".

oOo Schopenhauer: "Quem escreve para os tolos encontra sempre um grande público".

oOo Alberto Moravia: "Um escritor sobrevive 'apesar' de suas crenças".

oOo Borges lembra quando Donald Yates, que partia pro México, perguntou melosamente a Manuel Peyrou: "Qual é sua mensagem para os jovens poetas mexicanos?". Peyrou, cansado, respondeu: "Diga a eles que vão pra puta que os pariu!". oOo Edward Albee: "Sou um dramaturgo que por acaso é gay, não sou um dramaturgo gay. Não é minha responsabilidade escrever sobre gays. Por que eu deveria limitar meus temas? Há vários escritores homossexuais que são interessantes justamente porque não achavam que tinham de escrever sobre gays: Henry James, Marcel Proust, Gide. Eu sou contra a 'guetificação' da literatura". Atenção, revisores, não é "gaytificação". oOo Uma empregada de Borges, ao ver um pacote da Antología de la literatura fantástica, que a editora mandou, disse: "Assim qualquer um escreve livros. São todos iguais". oOo Valéry disse que um escritor deve imitar seu melhor momento. Borges comenta: "Melhor Kipling: 'Se já sabe fazer algo, faça outra coisa'". oOo Bioy Casares anota Borges, sobre a loucura humana: "Os críticos acham que Marinetti, e não Conrad, faz literatura experimental". oOo Mario Quintana: "Inspiração? Sim... Mas convém não esquecer que a poesia, como todo verdadeiro jogo, é uma luta da astúcia contra o acaso". oOo Stendhal: "Como a maioria dos patifes são enfáticos e eloquentes, logo será odiado o tom declamatório". oOo Ernani Ssó: "Simplicidade e clareza - quero direto na veia". oOo Mário Goulart, no Livro dos erros: "Breton achava que se comentava demais sobre o que exatamente Sanit-Pol Roux teria querido dizer: 'Se ele quisesse dizer, teria dito'". oOo Mario Quintana: "Eles erram sempre de maneira tão complicada que eu não atino como ainda não descobriram que seria muito mais fácil escreverem certo". oOo Elmore Leonard: "Meu conselho mais importante para todos vocês, aspirantes a escritor: ao escrever, tentem deixar de fora as partes que os leitores pulam".

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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