Como deve ser SER MULHER no país da Copa

Por Cris De Luca

Sim, ainda estou em ritmo de Copa. Mas como levantei a lebre no texto da semana passada, não tem como falar deste Mundial sem falar em como de ser SER MULHER no país da Copa. E não estou falando apenas no período em que a Copa acontece, mas como as mulheres russas devem viver no dia a dia, como é o machismo por lá, como são os assédios que sofrem diariamente num lugar como a Rússia.

Mas vamos começar pelo que a gente pode ver dos comportamentos com os turistas com as russas ou dos russos com as mulheres de outras nacionalidades por lá. A começar por aquele vídeo ridículo dos brasileiros gritando ao redor da garota russa b*** rosa. Acho que já foi um tanto debatido nas redes sociais e nos meios tradicionais, mas nunca é demais lembrar que não importa se você acha se é pura zoação, que não tem nada a ver, tente se colocar na posição do outro e ver se você ficaria confortável de ser cercado por pessoas desconhecidas, que não falam a sua língua e te forçam a fazer algo que você não sabe o que significa. Só para começar.

Além disso, vimos turistas abordando outras meninas em parques e lugares turísticos também pedindo para falarem coisa que não faziam ideia do que era. Vimos muitas jornalistas, dos mais diversos países, sendo abordadas enquanto trabalhavam, com caras tentando beijá-las, apertando suas bundas e seus seios. Algumas foram vítimas de assédio mais de uma vez, inclusive. Um dos últimos casos que apareceram (os casos pararam de ser divulgados, apesar de acreditar que continuam acontecendo) foi a repórter Júlia Guimarães, da Rede Globo, pouco antes de uma entrada ao vivo, que conseguiu se esquivar do cara que iria beijá-la e reagiu de forma maravilhosa, dando uma lição de moral do russo, que chegou a pedir desculpa. Respeito, ela pediu. Respeito é o que todas pedimos. Na Rússia ou aqui. Em época de Copa ou no dia a dia. É o mínimo.

Apesar de todos esses casos que foram divulgados, principalmente, pelas redes sociais, o Comitê Organizador da Copa classificou com problemas menores os casos de assédios ocorridos até agora na Rússia. Usando uma citação da matéria que saiu na Folha de São Paulo, no último 29 de junho, o CEO da entidade, Alexei Sorokin, disse que "incidentes de abuso sexual ou constrangimento não representam um grande problema ou questão. Mas é claro que pedimos que todos os fãs exerçam respeito. Não importa se em relação a homem, mulher, criança ou idoso. É um comportamento padrão que deve ser exercido em qualquer país do mundo".

Mas o que esperar de uma "autoridade" num país no qual 16 milhões de russas sofrem violência doméstica por ano, número divulgado numa matéria da Carta Capital de 23 de junho. No Brasil, a estatística é quase três vezes menor, ainda que seja alto: cerca de 500 brasileiras são agredidas por hora, de acordo com pesquisa do Datafolha. Entre todos os crimes registrado na terra de Putin, 40% são cometidos por maridos ou familiares próximos. Sendo números estimados, porque somente 10% das mulheres fazem boletim de ocorrência.

Lendo algumas reportagens sobre o assunto, me parece ser mais difícil nascer mulher na Rússia do que por aqui. E tem mais: existem leis aprovadas por lá que se o homem bate na esposa, não quebra nada nela, ela não sendo hospitalizada e isso acontecendo só uma vez por ano, tudo bem. Bate, mas não deixa sangrar e nem outras sequelas. Aí passa. Discussões, ameaças e brigas menos violentas precisam ser resolvidas em casa pelo homem e pela mulher. Aquele velho e machista ditado que "briga entre marido e mulher ninguém mete a colher". Dependendo do grau da violência pode rolar uma multinha e passar duas semaninhas na cadeia. Não tem como achar isso normal.

Ah! E mais: na Rússia, os filhos e as filhas não carregam o sobrenome da mãe e o pai é lembrado duas vezes. O nome do meio das crianças ganham ao final do nome evich/ovich (para homens) e ovna/evna (para mulheres) e indicam que a pessoa é "filho ou filha do Fulano", tipo Ivanovich e Ivanovna. E o sobrenome é sempre do pai. Se for menina, é necessário incluir um "a" no final do sobrenome para indicar o gênero (Sharapov - Sharapova). Achei essas informações numa entrevista que a Revista Donna fez com três russas há algumas semanas. Quando casam, as mulheres ainda trocam o sobrenome do pai pelo do marido. Joinha, né? Só que não.

O pior é saber que vai ter gente lendo isso aqui e vai pensar "porque aqui também não é assim". E ainda bem que isso não funciona no Brasil. A Rússia é um país muito fechado, não tem como sabermos de tudo que acontece por lá e os poucos relatos que se podem ouvir são sempre cercados de um certo medo. Pode-se fazer algo? Para ajudar as mulheres por lá, não sei, mas acho que pedir proteção a Deusa para elas já é um começo. E, por aqui, o negócio é continuarmos denunciando cada caso de assédio, de violência física e psicológica e mostrar que esses casos não ficarão impunes. Juntas, somos mais fortes! Aqui e do outro lado do oceano também.

Autor
Jornalista, formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Marketing e mestre em Comunicação - e futura relações-públicas. Possui experiência em assessoria de imprensa, comunicação corporativa, produção de conteúdo e relacionamento. Apaixonada por Marketing de Influência, também integra a diretoria da ABRP RS/SC e é professora visitante na Unisinos e no Senac RS.

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