Cusco Dalai agora é uma estrelinha no céu

Hoje é um daqueles dias extremamente tristes aqui no pequeno apartamento que divido com a minha filha Gabriela desde novembro de 2007. É um dia que ficou curto demais para abrigar tanta dor. É uma quarta-feira regada a melancolia. É um dia embrulhado em lembranças. É uma tarde encoberta de saudade. E uma noite que promete ser longa demais para acomodar tamanha insônia. E que inaugura um período totalmente novo e indesejado na minha vida com Gabriela do cotidiano sem a presença do canino da raça shih tzu de nome Dalai, que convivia conosco desde 22 de janeiro de 2008. Às vésperas de completar seu décimo aniversário em 10 de dezembro, Dalai não resistiu aos dois meses de enfermidade e, no meio da tarde, virou uma estrelinha a brilhar no céu.

E se a rotina já estava alterada desde sábado pela manhã, quando o cusco foi internado às pressas para tentar reverter a fraqueza com uma doença oportuna que lhe tirou peso, vontade de brincar, força para latir e a disposição para comer, com a sua partida os nossos dias e noites desenham-se sombrios. Porque até então, ainda existia a esperança de que Dalai fosse se recuperar e a qualquer momento voltar da clínica ou da fisioterapia e pular no sofá, procurar afoito o pote de comida, perambular na frente da porta do quarto da Gabriela esperando que a sua musa deixasse seus aposentos ou acomodar-se feito um Deus no puf da sala que sempre terá o seu cheiro. Agora, sabemos que ele não irá mais nos surpreender com suas rabugices, seus latidos e seus pulos desesperados no nosso colo. Dalai é a estrelinha mais linda e mais iluminada a enfeitar o céu.

Não precisaremos mais nos preocupar em manter a caderneta de vacinação atualizada. Não precisaremos mais comprar quilos e quilos da sua ração favorita para aproveitar as ofertas. Não precisaremos mais marcar seus banhos com tosa total na pet. Não precisaremos mais deixar a luz da área de serviço acesa durante a noite para ele caminhar em busca de sua tigela de água ou para fazer seu pipi no banheiro. E nem será mais necessário pedir jornal emprestado para forrar seu banheiro. Não rezaremos mais para ele não latir, no meio da madrugada nos acordando, toda vez que um vizinho batia com força a porta do elevador. Não será mais necessário reservar creche com antecedência para ele ficar nas festas de final de ano.

Mas só eu sei como eu queria ter que cumprir ainda estas rotinas descritas acima. Só eu sei como me dói não sentir mais a sua presença canina no apartamento. Só eu sei como serão apáticos os meus momentos de volta ao lar sem o Dalai para me receber na porta e demonstrar que eu era a pessoa mais esperada e desejada no mundo. Só eu sei como serão sem graça os meus passeios na quadra, ainda que nenhum deles levasse mais de cinco minutos, sem o Dalai a me recepcionar como se eu estivesse há dois meses ausente. Só eu sei como será dolorido olhar para os cantos preferidos do neto canino e não encontrá-lo acomodado com sua pelagem cinza e branca como se fosse o proprietário do espaço. Só eu sei como será difícil ver televisão na sala sem o fuço do Dalai aboletado no meu pescoço no encosto no sofá. Dalai abandonou o mundo aqui da terra e é agora uma estrelinha lá no alto.

Posso dizer, sem margem de erro, que Dalai foi um cão muito amado, paparicado e mimado. Pela sua avó Márcia (esta que escreve) e sua mãe Gabriela. Posso dizer, com a máxima certeza, que de todos os cachorros que eu tive, Dalai foi o mais companheiro, o mais amigo, o mais compreensivo, o mais obediente, o mais afetuoso e o que eu mais amei e aquele para o qual mais me dediquei. Posso confessar para vocês leitores e leitoras que tentamos de tudo para que ele não fosse vencido pela enfermidade. Mas exatamente no dia em que completava dois meses de doença, Dalai foi latir, brilhar e fazer travessuras em outra dimensão. Virou uma estrelinha no céu.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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