Das pequenas invejas de todos os dias

Não sei se existe a tal da inveja boa ou, como alguns, inadequadamente gostam de denominar, a inveja branca. O que considero uma preocupante …

Não sei se existe a tal da inveja boa ou, como alguns, inadequadamente gostam de denominar, a inveja branca. O que considero uma preocupante discriminação. Como se tudo que fosse bom tivesse a cor branca e o mal estivesse sempre representado pela tonalidade preta. Feita a minha ressalva, se há um tipo de inveja permitida, isto é, que não se enquadra nos sete pecados capitais da tradição católica, e por isso pode até ser sentida, confesso que ela tem me acompanhado em vários momentos da minha humilde existência. Falar com vocês sobre os meus pesares pela felicidade de outros (definição de inveja no dicionário), pode ser que reduza a minha penitência.

Desde o dia 8 de dezembro do ano passado, quando ocorreu a inauguração do novo estádio do Grêmio Football, time do meu coração, que alimento uma inveja indescritível de todos que já conheceram a Arena tricolor, situada no bairro Humaitá, em Porto Alegre. Já acertei diversas vezes com uma companheira e amiga da Saudosa Maloca (turma da faculdade) de ir até o local ver meu imortal jogar, mas sempre aparece um empecilho. Dificuldade de chegar ao estádio, plantão nos dias de jogos, uma festa de aniversário imperdível, uma enxaqueca ou aquela eterna falta de dinheiro para os prazeres da vida. E sigo adiando minha estreia na Arena do Grêmio.

Confesso que sinto um sentimento de tristeza perante o que o outro tem e eu não consigo ter (outra definição de inveja no dicionário) quando vejo pessoas que levam uma vida ativa, saudável e regrada. Gente linda, articulada, sarada, que caminha todas as manhãs no Parque Marinha, Moinhos de Vento ou Redenção. Povo que administra a sua vida para arrumar um tempo para malhar em alguma academia no final de um dia complicado de trabalho. E já que relato ter inveja de pessoas bem resolvidas e preocupadas com seus corpos e a saúde coletiva e individual, admito ciúmes daquelas pessoas que podem comer até não poder mais sem mexer os ponteiros da balança.

Preciso informar também que invejo, com todas as minhas forças, todos aqueles que acordam de madrugada, às 7h20, quando dá uma vontade incontrolável de virar de lado na cama, puxar melhor o cobertor e seguir num sono profundo, pelo menos até as 11h. E pior ainda. Inveja destas mesmas pessoas que além de pular da cama quando o galo mal cantou ainda saem esbanjando bom humor, alegria, felicidade e distribuem bom dia para familiares, vizinhos e colegas. Mas exatamente qual o motivo deste bom dia, pergunta intimamente meu interior extremamente mal humorado, azedo e indignado com a vida que me obriga a madrugar.

E como não sou desorganizada, esculhambada, desleixada com as minhas coisas, tenho inveja incalculável de quem não mantém o TOC da arrumação como eu. Gente que chega em casa e nem percebe que a faxineira foi porque não sabe o exato lugar dos objetos. Gente que nunca identifica quando a filha adolescente visitou o quarto alheio e vasculhou as prateleiras do guarda-roupa à procura de echarpes e mantas. Gente que não identifica que a filha se apossou indevidamente de alguns produtos de maquiagem porque desconhece o que tem no seu estoque. Gente que deixa para estender a cama mais tarde, arrumar o quarto de noite, organizar tudo só quando bater a vontade.

Devo ter outras invejas do tipo perdoáveis, aceitáveis ou de cores claras. Invejas permitidas. Devo ter outros sentimentos de desgosto pelas coisas que não tenho, que não adquiri, que não desenvolvi. Mas penso que as invejas relatadas acima já são suficientes para me negar a entrada compulsória no reino dos céus. Então, só confessarei as outras daqui a uns dois ou três anos, que é o tempo necessário para rezar 109 ave-marias, 203 pai-nossos, ficar ajoelhada no milho 463 noites e subir 312 vezes as escadas da Igreja das Dores. E que a Nossa Senhora da Inveja Permitida de Todos os Humanos me perdoe e ilumine os meus sentimentos.Não sei se existe a tal da inveja boa ou, como alguns, inadequadamente gostam de denominar, a inveja branca. O que considero uma preocupante discriminação. Como se tudo que fosse bom tivesse a cor branca e o mal estivesse sempre representado pela tonalidade preta. Feita a minha ressalva, se há um tipo de inveja permitida, isto é, que não se enquadra nos sete pecados capitais da tradição católica, e por isso pode até ser sentida, confesso que ela tem me acompanhado em vários momentos da minha humilde existência. Falar com vocês sobre os meus pesares pela felicidade de outros (definição de inveja no dicionário), pode ser que reduza a minha penitência.

Desde o dia 8 de dezembro do ano passado, quando ocorreu a inauguração do novo estádio do Grêmio Football, time do meu coração, que alimento uma inveja indescritível de todos que já conheceram a Arena tricolor, situada no bairro Humaitá, em Porto Alegre. Já acertei diversas vezes com uma companheira e amiga da Saudosa Maloca (turma da faculdade) de ir até o local ver meu imortal jogar, mas sempre aparece um empecilho. Dificuldade de chegar ao estádio, plantão nos dias de jogos, uma festa de aniversário imperdível, uma enxaqueca ou aquela eterna falta de dinheiro para os prazeres da vida. E sigo adiando minha estreia na Arena do Grêmio.
Confesso que sinto um sentimento de tristeza perante o que o outro tem e eu não consigo ter (outra definição de inveja no dicionário) quando vejo pessoas que levam uma vida ativa, saudável e regrada. Gente linda, articulada, sarada, que caminha todas as manhãs no Parque Marinha, Moinhos de Vento ou Redenção. Povo que administra a sua vida para arrumar um tempo para malhar em alguma academia no final de um dia complicado de trabalho. E já que relato ter inveja de pessoas bem resolvidas e preocupadas com seus corpos e a saúde coletiva e individual, admito ciúmes daquelas pessoas que podem comer até não poder mais sem mexer os ponteiros da balança.
Preciso informar também que invejo, com todas as minhas forças, todos aqueles que acordam de madrugada, às 7h20, quando dá uma vontade incontrolável de virar de lado na cama, puxar melhor o cobertor e seguir num sono profundo, pelo menos até as 11h. E pior ainda. Inveja destas mesmas pessoas que além de pular da cama quando o galo mal cantou ainda saem esbanjando bom humor, alegria, felicidade e distribuem bom dia para familiares, vizinhos e colegas. Mas exatamente qual o motivo deste bom dia, pergunta intimamente meu interior extremamente mal humorado, azedo e indignado com a vida que me obriga a madrugar.
E como não sou desorganizada, esculhambada, desleixada com as minhas coisas, tenho inveja incalculável de quem não mantém o TOC da arrumação como eu. Gente que chega em casa e nem percebe que a faxineira foi porque não sabe o exato lugar dos objetos. Gente que nunca identifica quando a filha adolescente visitou o quarto alheio e vasculhou as prateleiras do guarda-roupa à procura de echarpes e mantas. Gente que não identifica que a filha se apossou indevidamente de alguns produtos de maquiagem porque desconhece o que tem no seu estoque. Gente que deixa para estender a cama mais tarde, arrumar o quarto de noite, organizar tudo só quando bater a vontade.
Devo ter outras invejas do tipo perdoáveis, aceitáveis ou de cores claras. Invejas permitidas. Devo ter outros sentimentos de desgosto pelas coisas que não tenho, que não adquiri, que não desenvolvi. Mas penso que as invejas relatadas acima já são suficientes para me negar a entrada compulsória no reino dos céus. Então, só confessarei as outras daqui a uns dois ou três anos, que é o tempo necessário para rezar 109 ave-marias, 203 pai-nossos, ficar ajoelhada no milho 463 noites e subir 312 vezes as escadas da Igreja das Dores. E que a Nossa Senhora da Inveja Permitida de Todos os Humanos me perdoe e ilumine os meus sentimentos.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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