Deixa ela trabalhar em todos os veículos de comunicação sem assédio

Muito louvável e oportuna a campanha #DeixaElaTrabalhar, que começou em todo o Brasil em 25 de março, organizado por mais de 50 jornalistas que atuam na cobertura de esporte no País, através de um vídeo no qual são denunciadas as agressões e os assédios a que elas são submetidas no exercício da profissão. No Rio Grande do Sul, durante as últimas coberturas de jogos de futebol, jornalistas sofreram ofensas, ouviram desaforos, foram assediadas e, pior, tiveram que prosseguir no seu trabalho, sem poder chorar na hora, denunciar ali, responder à altura, gravar ou filmar as provas do crime. Nos estádios, nos treinos, nas entrevistas coletivas de técnicos de futebol ou jogadores, as mulheres jornalistas têm de ser respeitadas. Estão em missão de trabalho, independentemente do gênero que representam.

Sem tirar o brilho e a necessidade deste movimento, pontual e que foi alimentado pelos casos de assédio realizados em jogos de vários campeonatos de futebol no território nacional, ouso dizer que a campanha deveria ser estendida, com urgência, também para todos os veículos de comunicação de massa. Entendam bem. Evidente que nos estádios de futebol e, na minha opinião, em todos os outros esportes, a presença da mulher jornalista (ou não), em pleno exercício da profissão, deve ser respeitada. Mas existe um assédio moral e sexual velado, ou não, que permeia as redações, as assessorias, as agências e os demais veículos de comunicação. Assédio que está presente, camuflado, ou não, entre colegas, chefes e, até mesmo, fontes.

Na ocasião, por exemplo, de uma entrevista para contratar um profissional para exercer o cargo de repórter em um determinado jornal, é inadmissível que o (a) superior(a) deixe escapar que prefere o jornalista do sexo masculino porque ele não tem compromissos com filhos, em buscar em creches e colégios, levar em médicos, e nem tem crises relacionadas à tensão pré-menstrual (TPM). Mas lamento contar: isso existe sim. No caso, a discriminação é reflexo de uma sociedade patriarcal em que a responsabilidade dos filhos é de única e exclusiva competência da mãe. E pior, quem fez a entrevista não é um funcionário do setor de Recursos Humanos. Normalmente é o chefe ou a chefe de Reportagem e/ou Produção que deveria ter uma mente mais aberta. Só que não.

Ou quando o editor informa, com antecedência, para a repórter comparecer na redação no dia seguinte com uma roupa menos convencional porque ela terá que entrevistar um empresário da noite, com fama de ser muito sensível às mulheres. Como é o nome disso? E o que falar se ao decidir quem será enviado para uma cobertura pulsante, de guerra, ou uma rebelião ou um incêndio, o chefe escolhe o profissional do sexo masculino sob a alegação de que ele é mais forte, suporta mais as adversidades e segura melhor as emoções? Hein? Como se chama esta atitude? Entre outras denominações, na minha opinião, é um atestado de ignorância, porque está mais do que provado que a mulher é bem mais forte, mais equilibrada e que se adapta mais às intempéries do que o homem.

Não é assédio, preconceito ou seja lá que nome merece a atitude de um editor que escreve uma crônica num grande jornal de Brasília saudando a chegada de uma estagiária à redação, usando palavras desrespeitosas, machistas e tratando a jovem de 19 anos como um objeto de desejo sexual? Não é assédio, preconceito ou seja lá que nome merece a atitude de machos escrotos que se viram todos na mesma hora, com aquela expressão de babacas, quando uma jornalista mulher, bonita, no auge de seu esplendor, invade a redação, assessoria ou agência para iniciar mais uma jornada de trabalho? Não é assédio, preconceito ou seja lá que nome merece a atitude de um chefe que não consegue desviar, nem por um minuto, os seus olhos cafajestes de um decote um pouco mais acentuado da sua colega de lado?

Mulheres, jornalistas de todos os cantos. Mulheres, repórteres de todos os veículos. Mulheres, editoras de todos os sites. Mulheres, assessoras de todas as agências de comunicação. Não podemos continuar aceitando caladas qualquer tipo de assédio, preconceito, discriminação ou misoginia em todos os lugares. Nas creches e nas famílias (porque é aí que tudo começa). Nas escolas. Nas festinhas. Nas baladas. Nas universidades. Nos estágios. Nos encontros com amigos, colegas e familiares. Nos bares. Nos estádios. Nas arquibancadas da vida. Somos contra qualquer tipo de assédio. Somos contra qualquer tipo de preconceito. Somos contra qualquer tipo de discriminação, misoginia e desrespeito.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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