Deixe a primavera entrar

Setembro não passa mais silencioso pela minha vida. Há muito, percebi que o nono mês do ano é carregado de magia e ternura. Para …

Setembro não passa mais silencioso pela minha vida. Há muito, percebi que o nono mês do ano é carregado de magia e ternura. Para todos que permitem a sua intimidade. Deixei de reclamar tanto das alergias sazonais, do vento no final de tarde que levanta os vestidos das moças e da vida que se acelera. Basta de chatice e resmungos que ninguém pode ser amarga 24 horas. Preciso estar leve e sossegada para receber as bênçãos das manhãs, tardes e noites de setembro. E, assim como Clarice Lispector, "não tenho tempo para mais nada, ser feliz me consome muito".
Por isso, abri as janelas do meu cafofo cedo (sim, caí da cama antes das 8h), perfumei o corredor, planejei um bom almoço com um cardápio totalmente diferente da básica galinha no forno, coloquei para queimar incenso da caixinha verde (Shanthinikethan) que transmite paz e tranquilidade. Vesti a minha casa com as cores e os cheiros da primavera, antes mesmo que ela ganhasse espaço no calendário oficial. De fundo, músicas variadas para embalar meu ócio primaveril.
A estação das flores é apenas um pretexto. Um motivo para sacudir o pó e arrumar a bagunça feita nos meses anteriores. É como se a primavera fosse um marco a indicar que faltam quatro meses para o ano terminar. Quem ainda deseja ser feliz precisa incrementar suas ações. Quem pensa em alguma revolução, seja do tipo que for, deve apresentar as armas. Quando as flores desabrocham de forma desavergonhada e despudorada é um indício de que precisamos também nos livrar do peso da mágoa passada, do rancor resolvido, do amor mal amado. Regar tudo que já cultivamos de positivo é um bom caminho.
Novamente recorro ao blog da Lydiah (blogdalydiah.blogspot.com) para entender minha afeição estranha com o mês vigente. Na minha leitura quase diária do espaço, descubro que setembro, no Hemisfério Sul, é mês de crescimento. Todas as sementes do que desejamos colher, nos próximos períodos, devem ser plantadas em setembro. Mas, a fim de não desperdiçar a generosidade da terra, a semente plantada deve ser verdadeira. E, conforme minha interpretação pessoal, não devemos usar a energia da terra para sementes de resultado feio. Xô pozinho do ódio, da maldade, da inveja, do desamor.
Como não pretendo desapontar setembro e seu caráter primaveril, tenho uma rosa vermelha ao lado do computador (presente do meu genro a minha filha Gabriela). Renovei meu estoque de incensos e penso em programas grupais nos fins de tarde na Cidade Baixa. E, dentro do possível, remanejei as dores para o outono de 2010. Porque, mais uma vez citando Clarice, "sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania. Depende de quando e como você me vê passar".

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

Comentários