Democracia arbitrária

A democracia se caracteriza por ser um regime em que todos têm vez e voz, ou deveriam ter. Talvez a explicação para termos tantas …

A democracia se caracteriza por ser um regime em que todos têm vez e voz, ou deveriam ter. Talvez a explicação para termos tantas democracias fictícias esteja em sua origem, ao menos no Brasil. Os únicos que têm voz por aqui são os carros de som. A voz dos eleitores e do povo em geral não existe. Se existe, não é ouvida. Porque há uma verdadeira onda de indignação de todos os habitantes das cidades brasileiras, contrários aos carros de som. Ninguém agüenta mais tamanha barulheira!
Os candidatos, que dizem que defenderão os interesses dos cidadãos, começam por desrespeitá-los já na campanha eleitoral. Se é sabido que TODOS não suportam mais os carros de som, por que os candidatos insistem em utilizá-los? Se os políticos desrespeitam seus eleitores antes mesmo de serem eleitos, o que esperar do restante desta relação? Uma relação que começa equivocada, certamente permanecerá equivocada.
O som é arbitrário. Não podemos nos livrar dele. Na TV, posso mudar de canal no horário eleitoral gratuito (outra arbitrariedade, pois a população rejeita enfaticamente este horário, mas ele permanece); o jornal, posso virar a página. Mas o som, este não tem jeito. Tenho que ficar ouvindo as promessas e jingles e rezando para passarem. Não posso me livrar do som. Assim, entendo que o carro de som é a forma mais arbitrária de enviar uma mensagem a alguém.
A arbitrariedade está na origem do processo político. O que esperar do restante dele? Será que os candidatos estão mesmo preocupados com os eleitores? Será que eles se importam que estes tenham sossego, quando querem? Se sim, por que permanecem emitindo mensagens em altíssimo volume, inclusive em finais de semana e locais de lazer, como parques? Pois estava eu com meu filho, fazendo o primeiro piquenique da vida dele em um parque e chega um carro de som, a todo o volume. Além da chegada desagradável, o carro ainda permaneceu por vários e insuportáveis minutos parado, quase ao nosso lado. Se isto não é arbitrário, o que será?
Já não basta mais a poluição visual que empesta a cidade nas épocas de campanha política. Já não basta mais a imposição de um horário eleitoral que ninguém vê nem quer, sempre veiculado na hora em que todos estão querendo informação, notícia ou entretenimento no rádio e na TV. Agora, vem o som. Melhor dizendo, a poluição sonora. Isto é democrático? Como funciona esta democracia de uma só via, onde só uma das partes fala (e alto)?
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