Desleitura

Hoje, vou experimentar escrever nada que se aproveite.

Já estou na segunda linha e, somando com a anterior, lá vão dezenas de dígitos que não querem dizer absolutamente nada.

Então, até aqui, também não faz nenhum sentido ler.

Mas aí basta colocar um 'mas aí' e a coisa parece mudar de figura.

Porém, mudou apenas o parágrafo.

Não escrever nada é quase tão difícil quanto escrever algo. A falta de intenção seria um propósito? Ou, vários despropósitos seguidos perfazem um conteúdo?

Perguntar por perguntar também acrescenta? E se se fizer isso seguidamente?

Insistentemente? E se se parar de perguntar, ganha-se um objetivo?

Não, já decidi que não irei consubstanciar este bloco de texto.

Talvez seja a negação da afirmação autoral. Sei lá.

Que precisa apenas de algumas linhas subsequentes para alcançar ou ampliar a inconsequência até aqui tão bem constituída.

Relendo - fiz isso; você, não sei - não constato consistência. Alívio.

Se é trabalhoso manter a coerência num texto que pretende a coerência imagine num que a dispense.

Então, tão bem-sucedido, ouso continuar. Com o quê, Fraga?

Ah, não dizer coisa com coisa. Porém com toda a maestria possível. Fluência. Construções claras e sucintas. Legibilidade.

E se eu não me descuidar nas últimas frases e não enfiar nenhum argumento válido, terei obtido, depois desse longo vazio, certa credibilidade.

Cabendo uma pausa, pus.

Agora que você me acompanhou nessa divagação inútil e desconforme, vá até o fim.

Pois acabou.

A nenhuma conclusão cheguei, você não seguiu meu raciocínio, nada de memorável ficou registrado. Nem posso dizer que é um total absurdo, porque vou deixar incompleto.

Esse tipo de criação, em que as pessoas são levadas a não-ler lendo, tem nome. É inominável.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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