Em busca da dor

Está se tornando cada vez mais comum pessoas com bom nível de vida participarem de experiências "sofridas". A mais conhecida até o momento era …

Está se tornando cada vez mais comum pessoas com bom nível de vida participarem de experiências "sofridas". A mais conhecida até o momento era a caminhada a Santiago de Compostela. Pois agora estão surgindo outras, como a visita e "hospedagem" em uma prisão na Letônia (imagem abaixo). O visitante paga para ser maltratado e submetido a situações nada confortáveis. Não é o mesmo caso de caminhadas como a de Santiago de Compostela, que envolve descobertas e reflexões bem mais elevadas.



Realidade: inscrição "Você está deixando o inferno"
foi deixada por preso

Foto(s): Timothy Jacobs, AP/ZH


Porém, há um fator que considero comum a iniciativas deste tipo, em que as pessoas se vêem despojadas do conforto e segurança de suas vidas e colocadas em condições adversas: descobrir (ou redescobrir) o que realmente tem valor nesta vida. O grande conforto material que a vida nos oferece, bem como a excessiva valorização que atualmente damos a questões materiais, em detrimento de emocionais e afetivos, acaba por nos fazer esquecer de determinados valores, os essenciais.
Nota: Esta não é uma crônica bicho-grilo nem estou fazendo uma pregação contra o que é material, não me converti a nenhuma seita. Também não sou contrário aos confortos materiais que conquistamos ao longo da vida. O que não pode e nem deve acontecer é que estes confortos acabem por nos obnubilar a visão. Mas isto vem ocorrendo, cada vez mais. Continuemos.
E o que as pessoas estão fazendo, então? Colocando-se em situações extremas, para relembrarem o quanto vale um prato de comida quando se está com fome, uma cama limpa e quente quando se está cansado, uma boa parceria quando se precisa, um braço de apoio quando se necessita. São coisas simples, que sabemos valorizar sobremaneira na infância e até determinado momento da vida, mas que terminamos por deixá-las lá, perdidas.
A grande sacada não é a caminhada ou a noite na prisão, mas a reflexão que vem a reboque. Porque além de estarmos excessivamente envolvidos nas questões materiais da vida, a correria e a atribulação nos impedem (ou dificultam muito) que façamos aquela paradinha, a pausa para reflexão, imprescindível. É neste momento (que pode ter alguns minutos ou muitos dias, dependendo de pessoa para pessoa), que acabamos por rever nossas vidas, ter insights e mudar (ou corrigir) o rumo. É melancólico que precisemos enfrentar situações assim para olharmos para dentro. Mas, se esta é a fórmula que está funcionando, que assim seja. Que caminhemos, entremos em prisões e visitemos os lugares mais pitorescos. Vale tudo quando o que está em jogo é o essencial, tão difícil de enxergar, embora sempre óbvio.
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