Empregando de mal a pior

O desemprego não pára de desempregar tudo e todos, em toda parte, a toda hora. Por exemplo, esses desempregados exemplos: não se empregam mais …






















O desemprego não pára de desempregar tudo e todos, em toda parte, a toda hora.
Por exemplo, esses desempregados exemplos: não se empregam mais palavras gentis como antigamente, não se empregam mais nem tantas pregas nem tantos pregos, estão deixando de empregar pregadores de madeira, empregados como motorneiros perderam o bonde da história, já não se empregam pregações éticas, não se empregam empregadores para contratar empregados em porta de fábrica, pararam de empregar de mata-borrões a corretivos para datilografia, já não empregam inteligência na televisão, nem empregam mais a expressão "e aí, bacana?", não empregam mais caixões à vista nas funerárias, ah, se voltassem a empregar o vínculo empregatício, não se empregam anões em jardins nem jardineiros de baixa estatura, estão cada vez mais desempregando a língua portuguesa por causa do inglês, não se empregam os pregões da bolsa em favor dos bolsos, há dezenas e dezenas e dezenas de desempregados para cada dez empregados, já não empregam empregadas domésticas que não sejam domesticadas pelos baixos salários, desempregaram o cabide de emprego nas fábricas de cabides, empregam mal a palavra mau no lugar de mal, não empregam mais laranjas descascadas ao sol, já não se emprega mais o silêncio enquanto o outro fala, não se emprega goma para engomar nem hábito de freira, vai mal o emprego do gerúndio, já se deixou de empregar faxineiros e porteiros e copeiras sem serem terceirizados, sei do desemprego crescente da esperança, não se empregam mais ínterim no lugar de interim como pântano em vez de pantano, não se empregam mais um peso e uma medida, e já não se emprega o verbo empregar como exercício escolar. Agora, gente para desempregar empregados, ah, isso continuam empregando muito.
Eu sou do tempo em que?

? agosto era o mês dos cachorros-loucos.


?. se comprovava a curvatura da Terra vendo
os navios subirem e descerem o rio Guaíba.


? havia inverno no inverno e verão no verão.


? alguém de botas e bombachas no centro
da cidade não causava estranheza.


? a mariola era pura banana e não de goiabada.


? os caicangues, para sobreviver com o seu
artesanato, não precisavam esculpir crucifixos.


? as marquises dos prédios eram sem "habite-se".


? o futebol era um jogo que terminava em vitória,
em empate ou em derrota e não em cadáveres.


?. o Sistema Solar tinha 9 planetas.


Etc.

Sonetinho conjuntural

Tive uma vez uma bela conjetura
que conjeturava sobre tudo que via
Da sombra negra à menos escura
e à possibilidade de um novo dia


Minha conjetura sem se ferir inferia
a respeito do ar, da arte, de arnica
Mas se tudo aferia, referia e conferia,
a tadinha não diferia titica de política


Assim conjeturando toda a realidade
lá se foi seu discernimento natural,
morreu por não aturar tal atualidade


Depois dessa minha perda conceitual
passei a criar boatos, única insanidade
que sobrevive à conjuntura nacional.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

Comentários