Espelhos

"Desastres raramente são motivo de dissuasão do comportamento de pessoas ou nações. Embora apareçam no noticiário, de forma contínua e ubíqua, são percebidos como …


"Desastres raramente são motivo de dissuasão do comportamento de pessoas ou nações. Embora apareçam no noticiário, de forma contínua e ubíqua, são percebidos como esporádicos, tanto no tempo como no espaço. Além disso, a persistência da normalidade é usualmente maior do que o efeito provocado pelos distúrbios - como nos tempos atuais. Depois de absorver as notícias do dia, esperamos encontrar um mundo marcado por greves, crimes, inundações, falta de energia, trens lotados, escolas fechadas, vândalos, drogados, pedófilos e assaltantes. De fato, ao voltar para casa sem encontrar um ou dois destes acontecimentos, concluímos que tivemos um dia feliz."
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Este prefácio, escrito por Barbara Tuchmann em 1979, para seu best-seller Um Espelho Distante foi apontado por seus biógrafos como uma profecia do comportamento humano no início do século XXI. Embora a autora rejeitasse o rótulo de profetiza da história contemporânea, este ensaio - seguido por A Marcha da Insensatez, de 1984 - permanece até hoje como um vigoroso alerta sobre o que acontece no planeta pela recorrência de erros da História passada.
A historiadora estudou a sequência de decisões políticas e militares equivocadas que foram - e ainda são - repetidas ao longo do tempo, provocando conflitos, mortes e guerras. Ela sinalizou o assassinato de Julio César, em 44 AC, como sendo uma pedra angular da História.
Lembrava que a data de 15 de março se transformaria em uma espécie de maldição inextinguível. Segundo ela, o evento nas escadarias do senado romano assumiu o papel do espelho que reflete recorrências futuras, sempre inspiradas por colossais erros de julgamento ou por decisões desastradas.
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A roda do tempo gira e chegamos ao ano de 1147 em terras lusitanas, há centenas de anos ocupadas pelos mouros. Subestimando as tropas de Don Afonso Henriques, os invasores descuidam das defesas de Santarém. Nos idos de março, são surpreendidos e derrotados. A longa presença moura chega ao fim em Portugal.
Quinhentos anos depois, em março de 1493, na mesma Ibéria, um gesto do navegador Cristóvão Colombo mudaria a geografia mundial. Orgulhoso de seus feitos, o grande navegador exibe à Corte de Espanha arcas abarrotadas de ouro e prata, trazidas do Novo Mundo. Naquele mesmo momento, Fernando e Isabel ordenam que expedições armadas partam em busca de mais ouro e prata. O resultado: a extinção do império asteca.
Quinhentos anos depois, o espelho da recorrência refletirá outra tragédia histórica. Apesar de todos os sinais de alerta, pacifistas da França, Inglaterra e Estados Unidos ignoram o avassalador crescimento da máquina de guerra na Alemanha nazista. Então, no dia 15 de março de 1939, tropas de assalto ocupam em horas o que restava da Boêmia e Morávia. A Checoslováquia cessa de existir e abrem-se as portas para o deus Marte. Seis meses depois, a invasão da Polônia inicia a II Guerra Mundial.
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Em tom melancólico, Barbara Tuchmann resume sua teoria sobre a inevitabilidade da marcha da História em sua rotina de recorrência:
"- Aprender com as experiências passadas é algo que raramente praticamos."
Repetidamente, desde a antiguidade, a história coleciona extraordinários eventos gerados pela insensatez de líderes políticos ou comandantes militares. Como no emblemático episódio do Cavalo de Tróia, uma lenda rica em significados e que ocorreu justamente no período equivalente ao março dos romanos. O mítico cavalo de madeira moldou um arquétipo do conflito entre astúcia e ingenuidade. Não por acaso, Virgílio já advertira os troianos que não se deve aceitar presentes de inimigos.
O aviso não foi ouvido nem naquele momento, nem depois, mesmo tendo ecoado séculos afora. Com o passar do tempo, o Cavalo de Tróia adotou outros nomes, mas sempre significando um trágico - e quase sempre -monumental erro de avaliação.
Em junho de 1941, Adolf Hitler ordena a invasão da União Soviética, mobilizando 4,5 milhões de soldados, 60 mil blindados e 750 mil cavalos. A invasão é batizada por Hitler como Operação Barbarossa, uma citação ao imperador Frederico Barbarossa, que liderou a Terceira Cruzada no século XII.
Convocada pelo Papa Gregório VIII, a Cruzada dos Reis, como ficou conhecida, terminou de forma melancólica e trágica - o rei inglês Ricardo Coração de Leão é aprisionado e regressa à Europa sem nunca ter entrado em Jerusalém. O imperador Frederico Barbarossa, vestido de imponente armadura, cai do cavalo e morre afogado em um rio qualquer da Ásia Menor.
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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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