Festival colocou a realidade no palco

Não é nenhuma novidade, mas sempre é um enorme prazer reconfirmar esta constatação: o teatro é a expressão que melhor e mais imediatamente traduz artisticamente nosso tempo. O 13º Palco Giratório Sesc Porto Alegre, encerrado no dia 26 de maio, reafirmou com sua extensa, variada e consistente programação a pertinência das artes cênicas em tempos como os atuais, que convocam a sociedade à reflexão e à crítica. De questões sociais, morais e comportamentais como discussões de gênero, identidade, etnia e classe, a discussões políticas mais amplas e mesmo filosóficas, o festival colocou nos palcos da Capital, durante mais de 20 dias, alguns dos debates e aflições mais candentes dos nossos dias no Brasil e no mundo.

Por falar em angústia, foi frustrante não conseguir assistir a todas as atrações do Palco Giratório que gostaria, tal a qualidade da seleção de espetáculos - não possuo o dom da ubiquidade, lamentavelmente. Mas me entusiasmei com o muito que vi, tanto de montagens nacionais, quanto locais. Da permanente atualidade de Shakespeare, comprovada pelo díptico "Hamlet" (RJ) e "Dinamarca" (PE), à pertinência da dramaturgia contemporânea vista em "Gritos" (Brasil-França), "Fauna" (MG) e "Insetos" (RJ); da exuberante brasilidade de "Suassuna - O Auto do Reino do Sol" (RJ) à universalidade das visões do feminino de espetáculos como "Quarto 19" (SP) e "Segunda Pele" (PE) e da homossexualidade em "Tom na Fazenda" (RJ) e "O Jornal - The Rolling Stone" (RJ); da vivência da negritude marginalizada em "Farinha com Açúcar ou Sobre a Sustança de Meninos e Homens" (SP) e "Eles Não Usam Tênis Naique" (RJ) à ocupação pelo teatro de espaços alternativos como um enorme galpão em "O Filho" (SP) e as próprias ruas da cidade em "Entrepartidas" (DF).

Cabe ainda destacar a atenção para com a produção local, representada pela escalação tanto de produções recentes aclamadas ("Medeia Vozes", "Prata-Paraíso", "Cadarço de Sapato ou Ninguém Está Acima da Redenção", "Imobilhados", "Ícaro") quanto de peças estreantes ("Pequeno Trabalho para Velhos Palhaços", "Inimigos na Casa de Bonecas", as duas montagens do texto "Tremor").

Longa vida, portanto, ao Festival Palco Giratório Sesc - precisamos como nunca que o teatro siga vigilantemente nos alertando de como a vida é feita de belezas que precisamos multiplicar e misérias que devemos combater.

Autor
Jornalista e crítico de cinema, integrante da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Editou de 1999 a 2017 a coluna Contracapa (artes, cultura e entretenimento), publicada no Segundo Caderno do jornal Zero Hora. Neste período, também atuou como repórter cultural do caderno de variedades de ZH. Apresentou o Programa do Roger na TVCOM entre 2011 e 2015 e é é autor do livro "Mauro Soares - A Luz no Protagonista" (2015), volume da coleção Gaúchos em Cena, publicada pelo festival Porto Alegre Em Cena. Foi corroteirista da minissérie "Tá no Sangue - Os Fagundes", veiculada pela RBS TV em 2016. Atua como repórter e crítico de cinema no Canal Brasil.

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