Foi aberta a temporada das lágrimas de final de ano

Estoque de lenços de papel renovado e bolsa suficientemente abastecida. Toalhas de mão espalhadas pelos espaços do apartamento em que frequento com mais assiduidade: quarto, sala, cozinha e banheiro. Lenços de tecidos finos com pinturas meigas e as iniciais do meu nome gravadas - herança ainda da minha mãe Mirthô e da minha madrinha Irene - também esquecidos em locais estratégicos. E quantidade satisfatória de corretivos, em cremes, em pó, em bastão, para disfarçar na hora de sair, as olheiras provocadas pela choradeira. É que foi aberta oficialmente a temporada das lágrimas da Márcia de final de ano. Até 31 de dezembro, esta que vos escreve, costuma chorar muito. Compulsivamente.

Pessoa totalmente emotiva que sou (sim, eu choro até em propaganda de margarina ao ver a família feliz), pareço uma manteiga derretida - vocês conhecem esta expressão, certo? (como sempre lembrava minha madrinha Irene) e não contenho as lágrimas ao ver tanta publicidade de Natal, tantos desejos lindos e prósperos de Ano Novo, tanta gente mandando emotions e felicitações nas redes sociais. Eu sou assim. Não controlo meu lado nada racional e a Márcia Chorona assume a sua posição.

É só ver aquela propaganda da rede famosa de supermercados na televisão que imediatamente perco-me em soluços e choro, é claro. É só ler alguma amiga desejando que em 2018 eu tenha mais paz, amor, saúde e tudo de bom que no mesmo instante, derrubo-me em prantos e choro, é claro. É só ver nos shoppings a criançada encantada com a figura do Papai Noel e enfileirar-se para as fotos que as lágrimas pingam dos olhos e choro, é claro. E se cair na asneira (não, por favor filha Gabriela, esconda-os) de olhar os álbuns antigos de fotografias com toda a família reunida na ceia de Natal e na virada do ano, eu simplesmente não regulo os sentimentos e choro, é claro.

Preciso, no entanto, confessar que não consigo ouvir, muito menos chorar quando a Simone (tadinha dela) começa a cantar "então é Natal, e o que você fez, o ano termina, e nasce outra vez". O que me permite supor que eu tenho salvação, que nem tudo está perdido e que ainda resta-me, mesmo que escondida, alguma sanidade mental e emocional. Como nem tudo pode ser exatamente controlável, qualquer outra música tocada nas propagandas de Natal e Ano Novo leva-me aos ataques de lágrimas. Talvez Sigmund Freud ou Carl Jung, se vivos fossem, pudessem estudar o meu caso e realizar descobertas surpreendentes.

Tudo o que sei é que ando tão à flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar, que teu olhar flor na janela me faz morrer, que meu desejo se confunde com a vontade de não ser, que a minha pele tem o fogo do juízo final. Até mesmo escutar a música "Flor da Pele", do Zeca Baleiro, me faz chorar. Transformo-me em um barco sem porto, sem rumo, sem vela, cavalo sem sela, um bicho solto, um cão sem dono...

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

Comentários