Gene Tierney e a prima Iolanda

A tia Natália, irmã da minha mãe Alzira, era casada com o tio Ernesto e tinha duas filhas, a Iolanda, de 18 anos, e a Jurema, de 16, quando ocorreu a história que eu, na ocasião com 10 anos, vou contar.

Iolanda era linda e Jurema muito feia. Tudo que a natureza caprichara com a primeira, esquecera de fazer com a segunda.

Eu amava a prima Iolanda e desprezava a prima Jurema e a recíproca desses sentimentos me parecia verdadeira.

Iolanda era noiva do Fritz, filho do seu Walter, dono da maioria das casas do bairro e do armazém de secos e molhados Dona Ingrid, nome da falecida mãe de Fritz.

Fritz era considerado, naquela família de alemães de classe média do tio Ernesto e da tia Natália, como um bom partido e eles não cansavam de agradecer a Deus pela sorte de Iolanda e lamentar que a Jurema não encontrasse alguém com tantas qualidades como o Fritz.

De repente, um escândalo abalou aquela família. Sendo um menino, na época, eu só podia ter acesso a algumas informações, contadas como segredo pela minha mãe Alzira ao meu pai Alcides que, para variar, detestava todos aqueles alemães, parentes da minha mãe.

A Iolanda rompera o casamento e fugira com o Joãozinho, que trabalhava como mecânico na ofensiva do seu Pintaúde, no Passo da Areia.

- O pior de tudo, segredou minha mãe, o Joãozinho era negro.

O nome de Iolanda foi banido das conversas na casa da tia Natália. Dizem que o tio Ernesto preferia vê-la morta, que receber sua visita.

Mas quem morreu primeiro foi o tio Ernesto e, no seu enterro, para o espanto de todos, Iolanda reapareceu e, como disse o Padre Edgar na ocasião, o momento era de perdão e ela foi readmitida na família ainda que com algumas ressalvas. O Joãozinho, por enquanto, não era bem-vindo.

No dia seguinte, Iolanda revelou mais um detalhe que, no início, chocou tia Natália, mas que logo se transformaria na grande alegria dos seus últimos anos de vida. A Iolanda tinha lhe dado um neto, um lindo mulatinho que, por uma tremenda ironia do destino, recebera o nome do avô, Ernesto.

Como essas histórias merecem ter um final feliz, Joãozinho, o marido de Iolanda e pai do Ernestinho, deixara de ser mecânico e, depois de estudar à noite, ingressara na faculdade de Direito, onde se formara com grandes méritos e já tinha se transformado num respeitável juiz. A família de Iolanda crescera e o Ernesto, agora com 10 anos, já tinha três irmãos, o Airton, o Mareu e a Verinha, todos lindos e mulatos.

E a Jurema?

Bom, pra Jurema, tudo dera errado. Quando a Iolanda deixou o Fritz sozinho, as famílias chegaram a um acordo e um ano depois ele casou com a Jurema.

O casamento durou apenas um ano, os dois se desquitaram e ela voltou para a casa, parece que trazendo o dinheiro dos aluguéis de duas ou três casas, que a família do Fritz tinha no bairro, o que de certa forma, compensou o engano.

Por que o casamento não dera certo?

A versão que consegui perceber num diálogo da tia Natália com a minha mãe era de que o Fritz não gostava muito de mulher e que meu pai, explicitou um dia, quando lhe falei sobre o assunto, anos depois.

- O Alemão era puto.

Por que lembrei agora dessa história?

Porque o doutor Franklin Cunha me contou uma história que teria acontecido com a grande atriz do cinema americano Gene Tierney.

Teria acontecido, no condicional, porque o doutor Franklin é também um romancista e nunca se sabe até onde suas histórias são verdadeiras ou fruto da sua prodigiosa imaginação.

Gene Tierney foi uma das deusas de Hollywood, tendo trabalhado com grandes diretores do cinema internacional e contracenado com atores famosos em filmes como o 'Egípcio', 'Laura', 'No Fio da Navalha', 'Amar foi Minha Ruína' e 'Tempestade sobre Washington', entre tantos outros.

Nasceu de família rica, em 1920, e morreu em meio a uma profunda depressão, em 1991, depois de um casamento fracassado com o estilista francês, de origem russa e naturalizado norte-americano, Oleg Cassini, que ficou famoso por ser o costureiro de Jacqueline Kennedy.

E o que tem a ver Gene Tierney com a prima Iolanda, filha da tia Natália?

É que Gene Tierney não aproveitou a chance na vida que teve para ser feliz.

Essa foi a história que ouvi do Franklin: um escritor argentino, cujo nome ele não lembra, dedicou toda sua vida e economias para escrever um livro contando a vida de Gene Tierney. No final, fez apenas uma cópia do livro e mandou para a atriz norte-americana, com um pedido apenas: queria introduzir na história uma entrevista final com Gene.

Como sempre ocorre nessas histórias com personalidades americanas famosas, ela se comoveu e como era rica e poderosa, chamou o escritor para Los Angeles.

Fizeram, então, a entrevista e muito mais do que isso, dormiram juntos e se apaixonaram.

Mas, por alguma razão que o dr. Franklin desconhece, o escritor voltou sozinho para Buenos Aires com a sua entrevista e Gene Tierney foi ser infeliz para sempre com o Oleg Cassini, ao contrário da prima Iolanda, que foi feliz para sempre com o Joãozinho.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

Comentários