Gúgol: tudo isso ou só isso?

Simplificação é um modo pelo qual o pensamento estaciona. A gente acha que achou e deixa de querer conferir o achado. Seja uma opinião, …

Simplificação é um modo pelo qual o pensamento estaciona. A gente acha que achou e deixa de querer conferir o achado. Seja uma opinião, uma solução ou informação, simplificar é a preguiça elevada à mente (e preguiça, não custa despreguiçar o conceito fraguiano, é a vontade levada às primeiras conseqüências).


Na internet, uma das mais visíveis simplificações atende pelo nome famosíssimo de Google. Esse útil e poderoso - e vicioso e condicionante - abre-te-Sésamo virtual já se sedimentou como ´método´ no raciocínio dos pesquisadores de primeira viagem ou última hora. A cada falha de memória, dúvida de almanaque ou hesitação conceitual, o mouse corre pro socorro recorrente. Só o guru gúgol salva. Com ressalvas, ressalvo.


Apesar dos dados mamutianos sobre essa babilônia informativa - 1,3 bilhão de páginas acessíveis, 100 milhões de consultas/dia, segundo eles mesmos - eu não acho o gúgol tudo isso, não. Que é prático, ágil, prestativo - sim. Que seja confiável, crível, respeitável - sei não. Como todo mundo, vou nele primeiro, e tenho ido desde os idos de 99; como nem todos, desconfio dele de primeira.


Sabe-se: quantidade e qualidade de informação nunca foram, nem serão, compatíveis. Pelo lado mais óbvio da consideração e pelo lado mais exigente da ponderação: quanto mais há para saber, quanto mais disponibilidade, maior a dificuldade seletiva. Em ter respostas que respondam. Em vez de, apenas, deixar as perguntas ignorantes cada vez mais ignaras.


Entre os vários e variáveis graus de informação - instrução, conhecimento, cultura, erudição e outras muletas pro sovaco não ergonômico da ignorância - , qualquer um deve se apoiar num mínimo de fundamento fundamental para poder vir a aspirar alguma credibilidade como noção correta (exata não há, nunca haverá, não adiante chorar sobre o verbete alterado).


O gúgol não sabe nada. O gúgol, velocíssimo garçom do fast-food informativo, nos tornou escravos da instantaneidade. O saber pra já, mesmo que duvidoso. Desinformado e virtualmente desvirtuado, seu "saber" corrói certezas através da ilusão da presteza. A cada consulta rápida e rasteira, o gúgol se firma sem afirmar nada. Nesse firmamento de inexatidões e imprecisões informativas, uma vasta clareira de inclarezas, lemos tudo, anotamos tudo, copiamos e pasteamos tudo, arquivamos tudo. E pior: adotamos tudo, nos especializamos nisso tudo e, pra piorar o piorado, retransmitimos tudo. Sob um céu que não nos protege.


Tudo que essa maravilha tecnológica faz, ao apelo contumaz do enter, é entregar em bandeja luminescente a confusão muito bem armazenada da babel eletrônica. No listo da sua lista, o gúgol - sei que não digo nem ecôo novidade - somente aponta a ponta do iceberg que abalroa a Galáxia de Gutenberg (ainda lembram dessa arcaica expressão?). Seu negócio (e que negócio!) é disponibilizar (como não declinar dessas declinações?) zilíades de prateleiras e estantes e armários e gavetas e bureaus e arquivos, dos milhões de porões e sótãos do cúmulo do acúmulo da informação humana. Taí a palavra-chave que encadeia a não-confiabilidade nesse dubitável banco de dados: humano.


A internet é a potencialização da falibilidade humana, incluindo a democratização de bens em forma de palavras. E se a tendência do saber humano é se arrastar por falhas até se aperfeiçoar em pouquíssimos instrumentos aferíveis - mesmo assim sujeitos a reexames e revisões contínuas - imagine nessa coisa monstruosa que se tornou a rede. Imagine se a frágil acomodação do saber em livros, passada adiante por gente, vá lá, especializada e cuidadosa, se fosse técnica e factualmente popularizada na rede, sem limites de despreparo.Sim, a internet promove isso. Daí o desaprumo das fontes fidedignas.


Claro que o gúgol é inculpável do conteúdo com que abastece nossa ânsia pelo insabido. Claro que cabe a cada consulente não acreditar de bate-pronto no todo que a net distribui e em tudo que o gúgol dá a preferência em sua vitrine sistemática. Só porque está no mais moderno meio à disposição da sociedade atual, faminta de comunicação, não quer dizer que é válido. Só porque nos chega em zero vírgula zero zero xis segundos não garante imaginadas garantias. Só porque a sua, a minha, a nossa necessidade foi satisfeita, não significa satisfação inquestionável.


Bão, é até possível, um dia, que este arrazoado sem muita razão alcance o leitor via gúgol. O que comprovará que, mesmo comprovado, nada se comprova.


(Se houver quem queira complementar esta rabugice interneteira, sugiro que (re)leia o texto O meio é o massacre de 17/6/05)

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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