Ignorâncias com ânsias

Não sei porque as nuvens se desmancham pra vir até a gente.Não sei, igualmente, porque é que o mal-me-quer e o bem-me-quernão deixam de …


























Não sei porque as nuvens se desmancham pra vir até a gente.
Não sei, igualmente, porque é que o mal-me-quer e o bem-me-quer
não deixam de ser duas possibilidades numa sondagem de amor
e não se tornam duas espécies distintas de flor.
Não sei de onde as pálpebras tiram tanto sono quando a noite vai longe.
Não sei como é que não pode uma bola de neve ficar menor se rolada de volta aclive acima.
Não sei porque os tapas e as carícias têm que ser feitos com as mesmas e únicas mãos que temos.
Não sei como vai a minha paciência nem quero saber!
Não sei porque as torneiras nos obedecem tão passivamente.
Não sei de onde virá o que virá.
Não sei porque o homem veio do barro e só inventou as galochas milênios depois, nem porque há meio século desapareceram.
Não sei como cabe tanta angústia num pesadelo apenas.
Não sei porque nossos cabelos crescem apesar de nem ligarmos quando a brisa sopra neles.
Não sei porque a água do poço me dá saudade.
Não sei de onde a Morte consegue essa imensidão de cadáveres.
Não sei como as abelhas ainda não copiaram a indústria produzindo glicose em vez de mel.
Não sei como fazer pra ouvir a voz da consciência alheia que a minha já tá enchendo.
Não sei porque meu primeiro cavalo morreu sem relinchar, me chamando pro adeus.
Não sei porque as pessoas não prestam atenção em nada quando
não tem placa pedindo atenção.
Não sei para onde foi tudo que eu não queria esquecer.
Não sei porque a couve-flor é vendida em supermercados e não nas floriculturas.
Não sei por eu tenho asco de rato mas só dos ratos vistos à luz do dia.
Não sei porque os teus sonhos e os meus não se juntam como nossos.
Não sei a quantas anda as andas que larguei na infância.
Não sei porque o amanhecer é tão próximo do início do expediente.
Não sei como os mistérios e os milagres ainda acreditam no ser humano.
Não sei de nada.
Compensações por aproximação.

Gregário, o ser humano é; agressivo, quase todos; grosseiro, de vez em
sempre; grilado, amargo, agourento, agreste, grave e agudo, quando quer
ou quando pode. Mas nem tudo é desvantagem enquanto agem e interagem
em meio à bobagem do troca-troca de suas bagagens. Como nessas imagens:


Relação com impotente dificilmente acaba.


Amizade com sádico vai até a morte.


Coleguismo com idiota geralmente é recíproco.


Vizinhança com autoritário está sempre às ordens.


Convívio com incompetente dá muito o que fazer.


Encontro com tarado nunca deixa a desejar.


Familiaridade com imbecil melhora o parentesco.


Companheirismo com miserável não custa nada.


Ligação com insensível desenvolve o masoquismo.


Etc.

Para aplaudir com as pálpebras.

O que há de mais estranho na belíssima revista Gráfica é que ela não é nem americana nem européia. O que há de mais notável é que é uma publicação brasileira, contendo as mais belas páginas da história do recente design gráfico nacional e internacional. A Gráfica, pra quem recém-chegou ao assunto, é concepção e realização impecáveis do Miran (Oswaldo Miranda, talentoso designer e cartunista, não por acaso amigo e parceiro de tantos projetos), que conquistou o respeito dos mestres lá fora a partir do seu estúdio em Curitiba. O que há de mais alvissareiro (há tempos não há alvíssaras no Brasil!) é que a Gráfica (trimestral de 83 a 95, semestral de 95 a 2002), é que passa a ser o que sonhavam seus admiradores: bimestral. Quer dizer, prepare o babador a cada 60 dias. E o que há de mais inacreditável: encontrar a Gráfica ficou fácil como nunca, até números anteriores: basta clicar aqui. Nem vou descrever o conteúdo da edição 56. É o que há de mais surpreendente. Surpreenda-se.





Poeminha da indiferença à diferença.

Coisas verdadeiras
podem ou não ter graça
nisso semelhantes
a todas coisas falsas


Dependem da asneira
da birra ou da pirraça
e o que se pega antes:
se a mala ou se a alça.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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