Memórias da Fabico II

Por Flávio Dutra

A saga continua, com foco na universidade. Por enquanto, na base da nostalgia.  O texto a seguir é uma reedição do que encaminhei em 2010, a pedido do amigo e professor Flávio Porcello para os eventos que celebrariam o aniversário da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação:

A Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Ufrgs comemorou 40 anos na sexta-feira, 24 (setembro de 2010). Tinha me programado para comparecer ao jantar dançante no Clube Farrapos e rever os companheiros da primeira turma, dos idos de 1969, que deixou a Escola de Jornalismo, ligada a Filosofia, para constituir a Fabico, no prédio da gráfica da universidade, na Ramiro Barcelos. Mas outro compromisso atropelou a incursão nostálgica e só me resta participar das comemorações por meio deste depoimento, recordando fatos pitorescos de uma era que deixou saudades. (Vale registrar que em 2012 a colega Mirian Bravo liderou o movimento que resultou no Fabicaço, um exitoso reencontro de todas as gerações de fabicanos).

Lembro, por exemplo, do esforço que fizemos para promover no início da década de 70 o Salão de Arte e Comunicação, o Saco. Foram duas edições, a primeira dentro do prédio e a outra no canteiro, hoje urbanizado e na época uma espécie de território livre, na frente da faculdade. Isso porque a direção proibiu as manifestações, alegando que o pessoal estava fumando maconha (sim, já se fumava maconha naquele tempo; eu fora) e bebendo muito durante o evento (eu dentro).O grupo do qual eu fazia parte apresentou no primeiro ano um trabalho sobre Poesia Concretista, na base de slides e sons.  Ficou uma bosta, ninguém entendeu, nem nós. (Consta que durante uma das apresentações alguém correu pelado entre espectadores, mas acho que é lenda acadêmica. A ser verdade, fica a evidência de que este negócio de nudismo nas universidades não é novidade).

Lembro com saudade também das viagens que a turma fazia sob qualquer pretexto. Participei de uma para Brasília e outra para a Bahia, ambas de ônibus, dos antigos.  No grupo tínhamos mulheres, nossas colegas, especialistas em surrupiar artigos de lojas de souvenirs. Nunca vi gente tão habilidosa para enganar os atendentes das lojas. Na viagem de volta da Bahia (era um congresso de jornalistas) voltamos - o Félix Valente, ex-consultor de prefeituras do PT,  e este que vos fala - na maior pindaíba, com o equivalente a R$10 reais de hoje para comer e hospedarmo-nos no CEU (Centro dos Estudantes Universitários, no Rio, um pulgueiro,  ao equivalente R$ 1,00 o pernoite. A recomendação era de que a gente não descuidasse da bagagem). No Rio conseguimos comer uma mini pizza e uma guaraná para os dois. Voltamos em ônibus de linha, com transbordo no Rio, e chegamos a Porto Alegre mortos de fome.

E tem ainda a história do primeiro jornal que fizemos denominado Ernestão, homenagem-sacanagem ao professor Ernesto Correa e que constava de uma folha, tipo mural. Até hoje busco quem tenha um exemplar.  O Ernestão  ficou faceiríssimo. O mesmo Ernestão, diretor à época e muito gozador, pregou uma peça no professor Abrelino Rosa, que lecionava literatura brasileira e era um profundo conhecedor de Fernando Pessoa. Pois bem, na falta de professor para a cadeira de Redação Jornalística, convencido pelo Ernesto, o professor Rosa topou assumir a cadeira e começou a dar aula com um livro texto tipo "Jornalismo sem mestre". Foi um gritedo do pessoal, até ele se dar conta do ridículo da situação, excomungando o Ernestão.

A Fabico era o patinho feito da Ufrgs, mas sempre nos orgulhamos dela.  Nossa turma foi a primeira da faculdade, com currículo novo, de 4 anos, prédio novo, depois de um semestre como Escola de Jornalismo, ocupando o terceiro andar do prédio da Filosofia. Então, isso moldou muito a turma, que superava a falta de condições estruturais com muita criatividade.  Não tínhamos laboratórios de rádio, nem de tv e equipamentos nem pensar.  E a máquina de fotografia era uma velha Roleiflex, compensada pela presença do professor Santos Vidarte.

Conviver com o Santos Vidarte, com o Ernesto Correa, com o professor Marcelo Casado de Azevedo, este um gênio, muito adiante do seu tempo, foi o melhor legado, pelo menos para mim, do anos de Fabico.  Recebíamos aulas de matérias não técnicas de professores de outras unidades da Ufrgs e sempre eram caras do primeiro time, Brochado da Rocha, o pai, Helga Picollo, entre outros.

O grupo de trabalho, quase permanente do qual eu fazia parte (Maria Wagner, Oscar Flores Junior, Silmar Muller,  Jaures Palma, Maria de Fátima, a Nossa Senhora, entre outros- onde anda essa gente?) era pretensioso e um dos trabalhos na cadeira de Rádio foi sobre Histórias em Quadrinhos - quadrinhos em rádio!!! O roteiro previa uma sonoplastia caprichada, com sons que expressassem onomatopeias (sock!, poff!!). Ficou uma porcaria e ainda foi censurado, em parte, pelo professor porque, entre outras coisas, criticava o Capitão América, que acusamos de ser símbolo do colonialismo americano. O argumento para a censura foi prosaico: a Rádio da Universidade, onde gravávamos o programa, tinha convênios de cooperação com o Consulado Americano, que poderia não gostar do nosso programa.

Enfim, levei oito anos para me formar, porque esqueci uma rematrícula e fiquei fora três anos. Consegui voltar em 76 e a formatura foi a coisa mais informal da qual já participei: na sala de aula, com alguns professores, os alunos e uns poucos pais, incrivelmente orgulhosos.  Eu estava de sandália porque tinha interrompido as férias em Florianópolis e minha santa mãe,  dona Thelia,  jamais me perdoou por não tê-la convidado para a minha formatura (história contada em https://viadutras.blogspot.com/2010/05/formartura.html). Um dos alunos tentou fazer um discurso (estávamos em plena ditadura) e o diretor Guerreiro, pra não de incomodar, deu por encerrada a sessão. (Qualquer dia desses resgato o texto que cometi a respeito).

Esperava voltar este ano(2010) à Fabico em grande estilo para a formatura da minha filha Mariana, em RP.  Mas que sina: interrompi uma reunião,  me toquei para a Ramiro Barcelos e adentrei apressado no auditório lotado...de alunos de uma disciplina qualquer. A formatura fora em gabinete, em outra sala, e tão informal que já terminara. E Mariana já havia fugado. Era a história da formatura - sem os pais - se repetindo em forma de drama e farsa.

Assim mesmo, ficam na memória as melhores lembranças da Fabico, especialmente daquela primeira turma, muito integrada, muito festeira e pouco politizada, o que era uma incoerência para a época.

(Voltaremos)

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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