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O recém-nascido chora no apartamento ao lado e os vizinhos idosos se queixam à portaria. A creche espalha no ar o alegre alarido do …






















O recém-nascido chora no apartamento ao lado e os vizinhos idosos se queixam à portaria.

A creche espalha no ar o alegre alarido do recreio de quintal e os moradores mais maduros da quadra endereçam um abaixo-assinado à diretora.


A criançada comemora com festiva algazarra um aniversário no salão de festas do condomínio e os velhos das redondezas pedem para o síndico dar um jeito nisso.


Guris e gurias se divertem na rua com os decibéis que sua garganta é capaz e os de idade avançada reagem à vivacidade risonha com pigarros e resmungos e avisos de vocês vão ver.


Mocinhas e mocinhos namoram ao ar-livre e sexagenários se revoltam com o ritual de tentáculos e mucosas nos parques hoje em dia.


A rapaziada se reúne em baladas cheias de vitalidade e a prefeitura recebe protestos de vetustos senhores e senhoras pela localização do recinto.


Os jovens lotam espaços públicos para soltar sua energia em festivais de guitarras e a polícia é chamada por anciãos incomodados das proximidades.


E assim por diante: os mais novos procuram vibração através de ações e som, de envolvimento físico e agitação espiritual enquanto os antigos se recolhem ao isolamento e ao sossego, à acomodação das pantufas e dos cachecóis.


São dois movimentos que circulam e se entrecruzam o tempo todo, por todos os lugares desta vida.


Um, é inconstante nos desejos, nos prazeres, nos ambientes, e até no nome: Infância, Puberdade, Adolescência, Juventude.


O outro, é estável mesmo andando, tem um shhhhhhhh pronto nos lábios, um nariz torcido para cabelos verdes e roupas espalhafatosas, um cenho franzido até para o anil do céu, um hoje não para o vestígio de libido.


Mas esse tem nome.


É o Movimento Juventude Nunca Mais.








AIDS - Um novo tabu da imprensa. Foto de Olívio Lamas, Prêmio Esso de Fotografia de 1988.
Como artista, todo bom fotógrafo produz intriga nos indivíduos. Quando é dos melhores, intriga a sociedade. Olívio Lamas intrigou inúmeras vezes a todos nós, seus colegas de jornalismo e aos leitores dos diversos jornais e revistas por onde seu talento nato esteve a serviço. Como o elogio maior já foi feito aqui no Coletiva pelo jornalista Luiz Cláudio Cunha, e como também já lamentei aqui esta perda, achei oportuno reproduzir a foto mais intrigante de Olívio Lamas. É a que chocou o Brasil e, ao mesmo tempo, fez um bem ao país. A partir desta imagem, e sua repercussão jornalística, a consciência nacional deu um passo decisivo para encarar abertamente um assustador problema de saúde pública. E contribuiu, ainda, para humanizar nosso olhar diante das vítimas da AIDS, pois sabe-se que todo sofrimento é agravado por qualquer preconceito. Para uma única foto, não é pouco. Mas para esse talentoso autodidata, foi apenas uma foto a mais. Convivi com Olívio Lamas alguns anos e penso nele agora ainda da mesma maneira. Um intrigado.

 





Há pessoas que desenham como se o nanquim - ou o guache ou a aquarela ou o pastel ou o acrílico - coagulassem em sua veia criativa antes de qualquer inspiração poder fluir sobre o papel. Tipo eu. E há pessoas com um sistema circulatório artístico completamente desobstruído, que favorece o jorro do talento com qualquer material. Tipo o Orlando Pedroso. Você olha um único desenho e não precisa ser especialista em arte pra diagnosticar: esse cara jamais teve ou terá qualquer bloqueio criativo. Pelo contrário: quando admiramos a fluidez do seu bico de pena (por exemplo, ao folhear seu livro Moças Finas) nossas artérias é que se aceleram, com o prazer visual. Esse sensual livrinho, aliás, nasceu dessa agilidade gráfica do Orlando Pedroso, a partir de uma seqüência de postagens no blog do Solda. Como se explica tamanha capacidade e qualidade?







Coisas de DNA. E da experiência e da cultura, acumuladas: sua trajetória de ilustrador já tem 30 anos, mais de 20 na Folha de São Paulo. Por isso se dá ao luxo - ele pode se dar! - de manter na internet duas galerias da sua produção, uma de trabalhos publicados, uma outra de inéditos; imagine, um artista que dá a você a opção de onde babar. O tempo livre (!) Orlando Pedroso ocupa com exposições individuais e coletivas, como os salões de humor. E nesses últimos, o talento dele se vale (ainda!) de outra ferramenta, a câmera, para abastecer seu terceiro espaço eletrônico, o blog só desenhistas, que por si só é uma valiosa contribuição à memória nacional. Para saber mais desse fenômeno do traço e da cor, faça como seus admiradores: prestigie a abertura da exposição Uns Desenhos no Museu do Trabalho (Andradas, 230, dia 3, 19h, e até 19/8). Lá, com certeza, haverá um outro tipo de AVC: Admiração Visual Coletiva.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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