Nada a comemorar no aniversário de Porto Alegre

Esta senhora ainda cheia de força, vigor e mocidade completou 246 anos na segunda-feira, 26 de março. Esta cidadã que ostenta simpatia, carisma e algo mais não só para os seus moradores, mas também com os visitantes que chegam de vários destinos, fez aniversário na segunda-feira, 26 de março. Esta cidade que já foi considerada um modelo de gestão e participação e teve, em tempos passados, a melhor empresa de transporte coletivo, completou, em março de 2018, 246 anos. Este município que recebeu o título de Capital Ambiental do Mercosul e foi pontuada como o melhor atendimento do SUS no Brasil, ganhou, na segunda-feira, diversas homenagens pelo seu aniversário.

Mas eu confesso, com tristeza e melancolia, que tenho pouco ou nada a festejar nestes 246 anos da capital gaúcha. Apesar de ser fã incondicional de Porto Alegre. Apesar de conhecer e admirar as suas belezas, os seus cantos, os seus recantos, os seus encantos. Apesar de ser uma apaixonada declarada de Porto Alegre. Apesar de saber o nome de cada rua e localizar sua geografia sem muito hesitar. Apesar de ter recebido, quando era mais nova, é evidente (que depois dos 45 os convites sumiram), ofertas de trabalho em outras cidades deste Brasil e optado por Porto Alegre. Pois, ainda assim, com tanto amor declarado em verso e prosa pela cidade, não tive o que comemorar na passagem dos 246 anos da minha Porto Alegre querida.

Será que devemos comemorar um sistema de transporte público que apresenta uma passagem elevada com um serviço ineficiente, cujos ônibus, além de sujos, não cumprem horário e, frequentemente, são assaltados? Será que devemos comemorar o lixo acumulado nas praças, nos parques, nas esquinas e a ausência de periodicidade da coleta seletiva na cidade? Falando nas praças e nos parques, será que devemos comemorar a pouca iluminação nestes lugares, a falta de capina, a inexistência de segurança em locais aonde os habitantes vão em busca de lazer e conforto? Será que devemos comemorar o gosto terrível e preocupante da água que jorra das torneiras das casas e apartamentos da capital gaúcha?

É motivo para festejar o aniversário de uma cidade que não se preocupa mais com o Carnaval, a festa mais popular de todas? É motivo para festejar os 246 anos de uma cidade que carece de obras para melhorar a circulação viária e desafogar o trânsito? É motivo para festejar com palmas e saudações o aniversário de uma cidade que tapa seus olhos para a injustiça social e assiste, com apatia e sem nada fazer, o crescimento desenfreado da população de rua, sem nem tentar esboçar uma política pública para reverter esta situação? É motivo para festejar os 246 anos de uma cidade que vê transformado em residência da população sem condições dignas de vida, o Viaduto Otávio Rocha, um dos pontos turísticos de Porto Alegre, pela sua antiguidade e arquitetura?

Posso ser repetitiva e receber novamente críticas daqueles que não concordam (mas faz parte do jogo democrático, desde que elas sejam escritas com respeito, quando perdem a classe, eu as ignoro), mas desde que o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) tomou posse, em 2 de janeiro de 2017, a cidade perdeu sua graça, sua hospitalidade, e está entregue às traças, ao abandono, à falta de uma administração que olhe, com seriedade, os problemas de Porto Alegre. A capital gaúcha não merece um planejamento de obras, as estações de bombeamento pararam no tempo, a iluminação pública está escura e com falta visível de equipamentos e o lixo brota tal qual semente daninha.

Quero voltar a ostentar orgulho pela cidade em que nasci, vivi toda minha infância, tive as zoeiras da adolescência, enfrentei os medos de adulta, onde gerei minha filha e onde finquei minhas raízes. Quero voltar a me encantar com a capital gaúcha, poder passear pelo Brique da Redenção sem medo de assalto, de violência. Quero caminhar novamente pelos parques no final da tarde, início da noite, e perceber que as lâmpadas nos postes funcionam. Quero não sentir vergonha de tanto lixo jogado e acumulado nos cantos desta cidade linda. Quero voltar a ser cativada por Porto Alegre. Quero novamente que a cidade seja notícia não pelos atos de radicalismo e vandalismo, mas pelas suas coisas boas e positivas. Por enquanto, Porto Alegre só me dói.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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