Não se calem, metam a colher, é pela vida das mulheres

Por Márcia Martins

A lei que inaugurou um capítulo fundamental e necessário no Brasil para punir a violência contra as mulheres completou, na terça-feira, 7 de agosto, 12 anos. Maria da Penha, a farmacêutica natural do Ceará, que deu nome à lei (11.340), sofreu violência doméstica durante 23 anos. Até que em 1983, o marido tentou, por duas vezes, assassiná-la. Na tentativa com arma de fogo, ela ficou paraplégica. Na segunda, ele tentou eletrocussão e afogamento. Foi quando Maria resolveu dar um basta. Cheia de coragem, denunciou o companheiro, saiu de casa amparada por uma ordem judicial e iniciou uma longa batalha para criminalizar seu marido.

Mesmo com a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, que é um marco na proteção dos direitos femininos por punir agressões cometidas contra as mulheres no ambiente doméstico e familiar, os números registrados de violência ainda assustam e preocupam. O mapa do feminicídio no Brasil, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que 43,7 mil mulheres foram assassinadas no País entre 2000 a 2010 por questão de gênero. Deste número, 40% foram mortas dentro de suas próprias casas pelos seus companheiros ou ex-companheiros. Na maioria dos casos, os motivos apontados foram ciúmes ou inconformidade com o fim dos relacionamentos.

Muitas destas mortes poderiam ter sido evitadas. Se as mulheres não tivessem tanto medo de denunciar. Se o receio da represália do agressor não fosse tão predominante. Se muitas das vítimas não dependessem financeiramente do suporte do companheiro. Se, nas poucas vezes em que tiveram coragem de repartir a dor com algum familiar, este tivesse lhe aconselhado a procurar ajuda imediata. E, principalmente, se a sociedade não calasse tanto ao ouvir os gritos das mulheres agredidas. Se não se omitisse quando percebe que um casal vizinho está brigando e que existe violência. Se não fechasse os olhos quando percebesse os hematomas nas mulheres que cruzam pelos corredores dos prédios.

É impossível acreditar que sempre existe uma escada bem no meio do caminho para justificar os roxos pelos corpos. Ou um tapete que provocou o tombo e quebrou o braço da amiga. Ou o piso molhado que motivou o escorregão e a queda da vizinha no chão. Ou ainda aquela maldita porta do roupeiro deixada aberta que pintou o olho da moça de preto. E o cabo da panela muito quente que gerou a queimadura no braço. Desculpas, desculpas e mais desculpas. E atrás de todas elas, mulheres agredidas diariamente, moças que ostentam hematomas nas pernas, nos braços, nas costas, bocas feridas, arranhões espalhados e marcas de violência de gênero pela vida toda.

Porque nem a Lei Maria da Penha e a do feminicídio, de 2015, foram ainda suficientes para calar a violência contra as mulheres. Todos os dias, 13 mulheres são assassinadas no Brasil pela questão de gênero. Por isso, é urgente estimular que sejam feitas denúncias. É necessário explicar para as mulheres que elas não podem continuar sendo agredidas. É imprescindível falar que existem leis que as protegem. Que funcionam nas capitais Delegacias Especializadas para atendê-las. As mulheres precisam saber que não são as culpadas, que são as vítimas. Que quando dizem não estão exatamente dizendo não. Que uma roupa sexy não é passaporte para o assédio. Que o respeito precisa e deve ser exercido.

E para ajudar estas mulheres a apanharem menos, a evitarem agressões, a darem um basta definitivo nesta violência cruel, covarde, desumana e de gênero, é obrigatório que estejamos atentos a qualquer sinal, que não fiquemos omissos, que não calemos a nossa voz ao perceber uma briga próxima, que todos metem sim a colher em briga de marido e mulher. É pela vida das mulheres, das nossas vizinhas, das nossas colegas, das nossas amigas, das nossas conhecidas, das nossas filhas, netas, bisnetas. É pela dignidade e vida de todas nós.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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